As suspeições de corrupção sobre Luís Filipe Vieira, e o mais recentemente aparecimento de um empresário norte-americano com interesse em investir no Benfica, abriu a discussão pública sobre a participação de capital estrangeiro nas Sociedades Desportivas (SDs) em Portugal. No futebol internacional existem modelos privados, públicos e público-privados de grande sucesso, como os de Manchester City, Real Madrid, e Bayern de Munique, respetivamente. E para todos estes modelos existem igualmente maus exemplos. Daí que o problema não sejam os modelos societários e respetivas participações, mas sim os princípios de gestão e decisão, tradicionalmente denominados de modelo de governança que asseguram a indispensável transparência e rigor na gestão do futebol.

De acordo com o atual regime jurídico português, os clubes que participem em competições desportivas profissionais devem constituir-se em SDs, podendo ter a totalidade do capital social, ou abrir a participação a capital externo ficando o clube, no mínimo, com 10% do capital social. Desde que os clubes tenham capitais maioritários, como é o caso de Benfica, Sporting e Porto, os presidentes das suas associações desportivas são simultaneamente presidentes dos conselhos de administração das SDs. E daqui decorre o primeiro grande problema: os presidentes das SDs são (indiretamente) eleitos por sufrágio, são não remunerados, e têm a oportunidade de gerir empresas de 300 milhões de euros de receita anual. Qual o perfil de gestor que este modelo de governança atrai?

Os clubes de futebol são como empresas familiares, onde a sua liderança é normalmente loteada entre os seus membros. Em ambiente eleitoral, oferecem-se cargos em troca de votos, obrigando mais tarde a estrutura a adaptar-se à política. O gestor que é politicamente eleito por sufrágio de base associativa é uma personalidade que gosta de dar bitaites, e acredita mesmo que entende de futebol a ponto de escolher o treinador e contratar jogadores. O seu vice-presidente para o futebol apregoa geralmente a sua competência através de frases como “Cresci a ver o Pelé a jogar” ou “Tenho mais horas de balneário do que tu de vida”. O discurso dos (candidatos a) presidentes dos clubes de futebol é recheado de demagogia e populismo, sempre em linha com o que os sócios querem ouvir. Invariavelmente, os chavões são: incentivo à mudança, a profissionalização do futebol e o controlo de custos. De quando em vez, um assume que irá deixar os profissionais trabalharem, exceto na gestão do futebol. Contudo, todas as promessas são vãs e as intenções voláteis. O discurso romântico inicial não resiste às primeiras derrotas no campo, sendo abandonado assim que a pressão aumenta.

É decisivo que cargos políticos ou órgãos socais eleitos estejam impossibilitados de ocupar assentos executivos na gestão de SDs e assumir cargos remunerados dentro da sua estrutura. Porque estes gestores político-associativos duram pouco, têm os seusmandatos limitados no tempo e, por isso, as estratégias de gestão são rapidamente desalinhadas. O clube precisa ser gerido com o objetivo de ser sustentável no longo prazo, sendo que o dirigente político deseja a glória no imediato, e muitas vezes as decisões executivas precisam ser tomadas de forma desapegada e técnica. Dirigentes políticos a gerir SDs talvez funcionasse há 20 anos. Hoje, não faz sentido nenhum numa atividade que movimenta milhões de euros em receitas, que lida com dívidas elevadas, que compete num mercado altamente profissionalizado como o das big #5, sendo alvo de ataques de diversas outras formas de entretenimento veiculadas por novos canais tecnológicos, mais adaptados aos novos padrões de consumo. Ou seja, quanto maior presença de dirigentes amadores no comando, maior a probabilidade do seu clube ter que contar com a sorte para sobreviver.

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O poder legislativo em Portugal tem de analisar as melhores práticas em governança corporativa e escolher aquelas que melhor servem a realidade do futebol português. O modelo alemão, por exemplo, parece ser aquele que serve melhor a natureza popular da modalidade. A sua principal característica é que os administradores do negócio e os acionistas não se misturam, existindo papéis diferenciados para cada um deles, tornando a sociedade desportiva menos permeável ao resultado desportivo. Este modelo prevê dois níveis distintos de gestão: (i) o conselho de administração, composto por executivos que trabalham no dia-a-dia do negócio (nas áreas de marketing, financeira, comunicação, legal ou desportiva); e (ii) o conselho de supervisão, composto pelos acionistas da sociedade, dos quais se integram os órgãos sociais do clube, que não intervém na gestão direta da empresa.

Neste modelo, os acionistas continuam a ter um poder hierárquico superior aos administradores, não tendo, porém, papel na direção da empresa, isto é, não põem a mão na massa. O papel das personalidades político-associativas eleitas deve passar pela definição de objetivos, disponibilização de recursos, e acompanhamento da sua concretização na gestão de curto prazo. Porque uma coisa é dizer que “em cinco anos teremos o passivo pago para que em 10 anos possamos disputar uma liga dos campeões”, mas outra coisa é planear e atuar de forma a atingir esses mesmos objetivos. Os órgãos sociais continuam a ter um papel fundamental como guardião da governança, e garante de práticas de ética e transparência para com os principais stakeholders. Eles são as figuras institucionais que representam o clube formalmente.

Dá-se, assim, corpo à mudança do conceito de presidencialismo pelos políticos eleitos para um modelo executivo pelos profissionais remunerados conforme o desempenho acordado.