Ao ler o artigo no Observador com o Doutor Miguel Castelo Branco com o título: “O Investigador que quer ajudar a melhorar a vida social das pessoas com autismo”, decidi escrever a mais linda história de amor, através de uma carta aberta dirigida ao Doutor:

Sou a mãe do Francisco que completa este ano o seu trigésimo aniversário, e para o festejar criamos a Fundação Francisco Modesto cujo objeto é a assistência, a promoção científica, a proteção e o apoio à família de pessoas com PEA… O propósito deste projeto social passa pela esperança de nos apoiarmos uns aos outros sem compaixão, sem tristezas, cientes de que a superação se faz com “amor” e muita dedicação.

Fácil não é!

Mas é incomensurável o que os nossos filhos fazem por nós, a sensibilidade, o altruísmo e a ternura que nos transmitem, fazem de nós uns vencedores: vencemos o preconceito, vencemos a dor!

E a história começa a 15 de Dezembro de 1994, aquando do nascimento de um ser humano maravilhoso, de olhos azuis, com um sorriso brilhante nos lábios, era o meu segundo filho e, 32 meses depois, como todas as crianças da mesma idade, ingressa na Escolinha da Tia Ló.

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Ainda hoje ouço a Tia Natália a dizer-me (com alguma “crueldade”) o Francisco é diferente, talvez precise de um terapeuta da fala, de repente tudo mudou, o Francisco deixou de falar!

Fácil não é!

Encetamos juntos uma longa caminhada à procura de respostas, primeiro o dr. Pedro Strecht, depois dr. João Paços, depois dr. Pedro Cabral, foram seis anos de total incerteza e de muita angústia, era preciso um “rótulo” e ele não existia.

Decorria o ano de 2003 e abria o Cadin, com o dr. Lobo Antunes e o dr. Miguel Palha, o Francisco vai à primeira consulta com os dois médicos e no dia a seguir nova consulta, desta vez só com o dr. Miguel Palha e o diagnóstico é PEA, 80% de incapacidade, mas prometo-lhe que o Francisco vai saber ler e escrever (profecia de um mágico).

O Francisco tinha então 9 anos e não falava.

Fácil não foi… o mundo “ruiu” ao nosso redor.

Começava a mais gloriosa batalha das nossas vidas, com determinação e muito amor, fomos juntos à luta, sem nunca deixar de acreditar.

Regressámos nesse ano a Luanda, por recomendação do dr. Miguel Palha o Francisco devia ingressar no ensino normal. O pânico invadiu-nos de novo, com tantas carências em Angola como inserir o Francisco na escola se ele nem sequer falava ?

Decorria a abertura das novas instalações da EPL — Escola Portuguesa de Luanda e com muito esforço e determinação, fizemos acontecer a integração de um menino diferente na escola. Esse dia é inesquecível para todos nós.

Ao entrar pela primeira vez com o Francisco na sala de aula a cara da Professora Filipa, (primeiro ano a leccionar) é inesquecível, o pânico era total, o que fazer se o Francisco não falava?… Como o podia integrar com os colegas se não havia linguagem. Mas foi uma caminhada que todos, escola e nós, decidimos percorrer.

Fácil? Não foi facil! Mas foi uma realidade e no ano seguinte nascia na EPL o ensino especial, com a “Mãe” Leonor (professora do Ensino Especial) e a psicóloga Paula Rocha, que acreditaram tanto como eu que era possível, e juntas realizámos o sonho.

O Francisco adquiriu todas as competências sociais, frequentou o 9ºano, sabe ler e escrever (sem erros de ortografia), fez o seu PIT na secretaria da EPL e o sonho passou a ser todos nós.

Falar do Francisco é falar de amor, de ternura, de emoção, de resiliência, é sentir o quão importante estes filhos são nas nossas vidas, eles são a essência da verdade, ele é a razão da minha vida e eu sou a Mãe do Francisco.

Ao ler esse artigo revi-me nas horas, nos dias, nos anos em que as pequenas grandes conquistas do Francisco foram as nossas vitórias pessoais.

E hoje venho agradecer todo o envolvimento do dr. Miguel Castelo Branco em prol do bem estar social das pessoas com PEA e colocar humildemente a Fundação Francisco Modesto ao dispor, para juntos conseguirmos uma melhor leitura das emoções.

Os 30 anos de Mãe do Francisco deu-me “saber”, e estou pronta para partilhar com os outros pais, transmitir-lhe experiências de generosidade, entre uma luta tão grande, e tantas incertezas e dúvidas, mas posso transmitir-lhes esperança, porque eu tenho um filho que me ensina diariamente a amar de uma forma muito genuína. Todas as dificuldades pedagógicas e as diferenças sociais são naturalmente superadas com a pureza do amor que ELE nos dá.

OBRIGADA.

Mãe do Francisco