A Literacia em Saúde é definida pela Organização Mundial da Saúde como o conjunto de competências cognitivas e sociais e a capacidade da pessoa para aceder, compreender avaliar e aplicar informação em saúde, por forma a promover e a manter uma boa saúde.

Esta capacidade permite-nos, enquanto cidadãos, tomar decisões sobre os cuidados de saúde, a prevenção da doença e a promoção de uma vida saudável, impactando a nossa qualidade de vida, a forma como acedemos aos cuidados de saúde, as despesas que temos em saúde, entre tantos outros pontos mais.

Em 2014, e na sequência do European Health Literacy Survey, foi desenvolvido e aplicado, por um grupo de investigadores do ISCTE, um inquérito com o objetivo de compreender o nível de literacia dos portugueses.1

Portugal, em comparação com os 8 países europeus que participaram na iniciativa, ocupava uma posição intermédia no índice geral de literacia em saúde, com valores ligeiramente mais baixos do que a média desses países. À data, Portugal caracterizava-se por 1 em cada 2 cidadãos ter um nível de literacia geral “inadequado” (11%) ou “problemático” (38%). Entre os 50% dos inquiridos com níveis adequados de alfabetização em saúde, apenas 9% apresentaram níveis excelentes.

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Desde então foram criados diferentes programas, planos de ação e iniciativas direcionados à literacia em saúde; em 2018 foi criada a Divisão de Literacia, Saúde e Bem Estar da Direção-Geral da Saúde e em 2019 foi lançado o último Plano de Ação para a Literacia em Saúde.

Os últimos dois anos ficam marcados pela impacto de uma pandemia cujos efeitos se encontram ainda por determinar. Muitos foram os desafios que a pandemia criou, bem como os que veio a destacar. Mas não só de desafios se fez o seu impacto; fez-se também de oportunidades – perdidas, conseguidas e por explorar – e a saúde não é exceção.

Com base no senso comum, poderíamos assumir que a pandemia motivou o aumento da literacia em saúde da população, em todas as suas dimensões. Embora não existindo dados em Portugal que permitam a comparação dos níveis pré com pós pandemia, um estudo da Alemanha parece confirmar esta hipótese. Refere que a exposição sistemática a informações de saúde estruturadas e continuadamente repetidas durante a pandemia parece ter melhorado a capacidade de processar informações relacionadas com saúde nos cidadãos, particularmente com a utilização dos meios digitais de informação.2

A DGS, enquadrada num consórcio europeu, realizou em 2021 uma nova avaliação da literacia em saúde da população portuguesa. Este estudo foi publicado pela revista International Journal of Environmental Research and Public no início deste mês.3 Este inquérito decorreu entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021.

Os dados indicam que, em Portugal, 7 em cada 10 pessoas apresentam altos níveis (“suficiente” e “excelente”) de literacia em saúde, sendo o país onde foi registada a maior percentagem de nível “suficiente” de Literacia em Saúde (65%).

Dado que este estudo utilizado não segue o mesmo instrumento de medição do estudo realizado em 2014, não é possível a sua comparação, nem tão pouco a compreensão dos fatores que motivaram este aparente aumento dos níveis de Literacia em Saúde da população. No entanto, parece evidenciar um aumento dos níveis altos de literacia em saúde quando comparados com estudos anteriores, como o acima referido.

Uma crise é algo terrível de se desperdiçar” é uma frase do economista Paul Romer, a propósito da competição que os EUA viviam em 2004, com o aumento do nível de educação em outros países do  mundo. Revela-nos que dentro de uma crise há sempre aspetos positivos a aproveitar.

E a pandemia parece ter aberto caminho para que os cidadãos melhorassem as suas competências em aceder, compreender, avaliar e aplicar informação em saúde. Os cidadãos encontram-se agora mais motivados e disponíveis para consultar informação, o que permite não apenas acelerar a transição digital há tanto tempo aguardada na saúde, mas também moldar a forma como se acede ao sistema de saúde. Esta situação evidenciará outros desafios, como a qualidade da informação disponível.

Uma sociedade dotada de uma maior literacia em saúde é uma sociedade mais capaz de gerir a sua própria saúde, sabendo adotar não apenas os comportamentos certos na sua promoção, mas também na prevenção e na gestão da doença. Isto traduzir-se-á na diminuição da carga da doença e dos anos de vida potenciais perdidos. E aí sim, a saúde não tem preço.

1 Espanha R, Ávila P. HealthLiteracySurvey Portugal: A Contribution for theKnowledgeonHealthandCommunications. Procedia Computer Science. 2016; 100:1033-1041. https://doi.org/10.1016/j.procs.2016.09.277

2 Schaeffer D, Klinger J, Berens EM, Gille S, Griese L, Vogt D, Hurrelmann K. Gesundheitskompetenz in Deutschland vor und während der Corona-Pandemie [Health Literacy in Germany before and during the COVID-19 Pandemic]. Gesundheitswesen. 2021 Oct;83(10):781-788. German. doi: 10.1055/a-1560-2479. Epub 2021 Sep 21. PMID: 34547817.

3 Arriaga M, Francisco R, Nogueira P, Oliveira J, Silva C, Câmara G, Sørensen K, Dietscher C, Costa A. Health Literacy in Portugal: Results of the Health Literacy Population Survey Project 2019–2021. International Journal of Environmental Research and Public Health. 2022; 19(7):4225. https://doi.org/10.3390/ijerph19074225