A ministra da Saúde anunciou no parlamento, no âmbito da proposta do Orçamento de Estado 2022, o término da cobrança de taxas moderadoras em todos os serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS), à exceção das urgências não referenciadas ou que não originassem internamentos. A medida foi justificada numa lógica de ultrapassar as barreiras financeiras, culturais, sociais e económicas de quem reside em Portugal e o seu fim representa uma perda de 31 milhões de euros para os cofres do SNS.

Mas qual o verdadeiro impacto desta medida?

O atual regime de taxas moderadoras foi introduzido na sequência do Memorando de Entendimento no contexto da ajuda financeira internacional a Portugal. Este impacto seria notado em duas dimensões: no acesso – na utilização mais racional e eficiente dos recursos disponíveis – e na eficácia financeira – no aumento das receitas do SNS, traduzindo-se num menor défice orçamental.

Este aumento das taxas moderadoras, introduzido em janeiro de 2012, poderia colidir com a dimensão de equidade preconizada no artigo 64º da Constituição – “um serviço nacional de saúde universal, geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito”. Por este motivo, pretendeu-se proteger cidadãos em situações clínicas ou de grupos sociais de risco ou financeiramente mais desfavorecidos, através da isenção do pagamento das taxas moderadoras.

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Esta isenção de pagamento atenua a função disciplinadora das taxas moderadoras e é tanto menor quanto maior for o número de cidadãos isentos. Importa, por isso, compreender quantos são os isentos em Portugal.

De acordo com o Portal da Transparência do SNS, existiam, no final do ano de 2021, 4.4 milhões de cidadãos isentos do pagamento de taxas moderadoras, o que representa mais de 40% da população portuguesa. Mais de metade destes (52%) são isentos por insuficiência económica.

Para além da isenção das taxas moderadoras, diversas medidas têm vindo a ser aplicadas ao longo dos últimos anos que procuram moldar a forma como os cidadãos acedem ao SNS. Exemplo disso, é a dispensa de pagamento de taxas moderadoras nas consultas dos cuidados de saúde primários e em exames complementares de diagnóstico e terapêutica prescritos e realizados no setor público ou a dispensa de pagamento quando as urgências são referenciadas pelos Centros de Saúde ou SNS24.

A existência de diferentes circunstâncias que motivam uma isenção ou dispensa do pagamento de taxas moderadoras, cumulativamente com a possibilidade de pagamento daqueles que o podem (ou não) fazer – a falta de pagamento não dá origem à instauração de um processo de contraordenação por parte da Autoridade Tributária – limita a sua dimensão de acesso, não induzindo uma utilização mais racional dos recursos. Não admira por isso que diversos estudos, ao longo da última década, tenham colocado em causa o seu carácter moderador.

Dada a limitação destas taxas na moderação do acesso, resta-nos olhar para a sua componente financeira.

De acordo com o anunciado, o fim das taxas moderadoras implica uma perda de receita para o Orçamento de Estado 2022 de 31 milhões de euros. Em 2019, o valor cobrado foi de 178 milhões, em 2020 de 97 milhões e em 2021 totalizou 65 milhões. A despesa em saúde nestes mesmos anos ascendeu aos 20 mil milhões de euros. O impacto das taxas moderadoras no universo do financiamento da saúde é inferior a 1%.

Não cumprindo o desígnio de moderação do acesso, nem de obtenção considerável de receita, as taxas moderadoras deixam de se justificar. Permanecem nos serviços de urgência quando os cidadãos não são referenciados, como forma de redução da utilização indevida destes serviços.

No entanto, i) mantendo-se o número de cidadãos isentos em valores elevados, ii) a dificuldade de aceder às consultas nos Centros de Saúde, iii) a limitação em cobrar as dívidas, iv) a porta sempre aberta dos serviços de urgência e v) a possibilidade de quem tem condições, pagar o valor das taxas moderadoras, a enorme pressão sobre os serviços de urgência irá continuar.

Abrirá noticiários durante as semanas desta sexta vaga e, voltará a sê-lo durante os meses de maior frio – tal como todos os anos, o é…