À custa de tanto ver postado por todo o lado que somos uma família, quando se trata de uma empresa, aqui fica a minha opinião. Não, uma empresa não é uma família. Nem deve sê-lo. Já bastam as empresas familiares onde, ainda assim, existe a família e existe a empresa. E os problemas de governo, de vazos comunicantes, de overlaps entre uma e outra realidades, se não são bem geridos, são levados para dentro da empresa com claro prejuízo para esta última. E vice-versa.
Vejo em grandes posts e em fotos de empresas a legendagem de “foto de família”. Não vejo em posts de família alguém chamar-lhe foto de empresa.
Porquê? Parece que é bom ter laços “familiares” ou próximos em empresas e assemelhá-los a uma família. Mas o contrário não é verdade. Se assim é, haverá certamente alguma confusão sobre o que é uma empresa e o que é uma família.
Numa família verifica-se um agrupamento humano formado por duas ou mais pessoas com ligações biológicas, com antecedentes e ancestralidade conjugada, com laços legais ou afetivos e, adicionalmente, esta família vive ou viveu na mesma habitação.
Numa empresa há um agrupamento humano, quiçá, embora as haja individuais. Não é necessário que haja quaisquer laços biológicos, que haja ancestralidade conjugada, que se verifiquem vínculos afetivos e que se viva ou tenha vivido numa mesma habitação. Não, uma empresa é uma unidade de carácter económico-social, integrada por elementos humanos, materiais e técnicos, com o objetivo de obter utilidade através da sua participação no mercado de bens e serviços. Nesse sentido, faz uso de fatores produtivos como trabalho e capital, por exemplo. E tem como objetivo máxime a produção de riqueza. Riqueza esta que deve ser colocada ao serviço dos seus stakeholders, isto é, acionista, mercado e organização interna.
Fins diferentes, arranjos diferentes, objetivos certamente diferentes.
No momento em que confundirmos uma empresa com a família alguma coisa vai mal. Ou a família vai mal. Ou a empresa vai mal. Ou as duas vão mal.
E há três razões de fundo para não misturar conceitos e/ou mesmo práticas.
Primeiro, uma empresa tem um caráter teleológico claro, isto é, criação de riqueza. Uma família tem outro carácter bem diferente: espaço de reserva, descontração, emoção, laços de amizade, de cumplicidade, de um “eu despido”, frágil e vulnerável. Que podem existir numa empresa? Sim, podem. Mas não devem existir ao mesmo nível que existem numa família. Uma família é uma família e uma empresa é uma empresa. Fins diversos. Formas diversas. Disparate misturar níveis que são níveis distintos.
Segundo, uma família é um último reduto na vida de alguém. Ou deveria ser. É uma zona de resguardo, de eu, de nós, despidos de fatos de trabalho e onde é expectável que haja um nível de partilha, de confiança, de solidariedade, de amizade e compreensão que não tem que existir numa empresa. Podem estes níveis existir numa empresa? Sim, podem. Mas não devem existir ao mesmo nível que existem numa família. Uma família é uma família e uma empresa é uma empresa. Fins diversos. Formas diversas. Disparate misturar níveis que são, como já dito, níveis díspares.
Terceiro, uma empresa é um local onde me devo empenhar para ganhar sustento para a minha família. E realizar-me profissionalmente. Onde devo crescer enquanto profissional e pessoa na linha trabalho. Na família há criação de valores, há partilhas, há vulnerabilidades que não devem ser trazidas para as empresas. Podem estes níveis de partilha e vulnerabilidade existir numa empresa? Sim, podem. Mas não devem existir ao mesmo nível que existem numa família. Uma família é uma família e uma empresa é uma empresa. Fins diversos. Formas diversas. Disparate misturar níveis que são, como já dito, aproximações desiguais.
Sempre que misturamos conceitos podemos estragá-los. Corremos esse risco. Deixem permanecer a família com o que é da família. Deixem permanecer a empresa com o que é da empresa. E, já agora e se não for pedir muito, deixem as empresas familiares para quem sabe de empresas familiares.