O Estado tem um edifício na Av. 5 de Outubro, famoso por lá ter morado o Ministério da Educação até há poucos anos. Está vazio desde que este ministério se mudou. É um bom edifício do princípio dos anos 70, com cerca de 12.000 metros quadrados, na esquina com a Elias Garcia. Em 2019, entre socialistas no governo e socialistas na Câmara de Lisboa, anunciaram que o iriam reabilitar e transformá-lo numa residência para estudantes, com 600 camas, a preços acessíveis. Fernando Medina ostentou este plano com a bravura de um pequeno déspota contra os moradores das Avenidas Novas, que expressaram o seu desacordo por não verem com bons olhos que lhes instalassem no bairro tantos estudantes num edifício onde eles claramente não cabiam. O mais certo era passarem a viver na rua, de imperial na mão, às horas a que se vive quando se tem 20 anos e os pais longe. Nada a fazer, declarou Medina a estes moradores: a residência, tal como estava prevista, era uma “obra do regime”.
Em 2021 Carlos Moedas ganhou as eleições e despejou Medina da câmara que o partido dele governara, de roupão e chinelos, durante 14 anos. Medina subiu a pastagens mais verdes, premiado pela delação de activistas anti-Putin; o que sobrou do PS ficou na Câmara e na Assembleia Municipal a exalar rancor. O que não ficou foi a residência na 5 de Outubro. Nada, zero. Agora os serviços rejeitaram o projecto por não respeitar as regras urbanísticas: na área daquele edifício não cabem 600 camas, caberão cerca de 400. O projecto anunciado por Medina condenava os estudantes a viver miseravelmente, sem condições de segurança, nem habitabilidade, nem coisa alguma. A receita tradicional da esquerda para tratar os pobres, fabricando dependentes, cortando-lhes os víveres, impedindo que ascendam à emancipação, exibindo-os às centenas como troféus de benfeitoria. A verdade é que a Estamo – ou a Fundiestamo, que administra os fundos públicos destinados a estas coisas – diz que assim não consegue fazer a residência. Com 600 camas, pagava-se a obra; com 400 não é suficiente. Tem lá uma cláusula que os impede de ter prejuízo; pode ficar a zero, ou quase, mas os fundos não podem ser aplicados em empreendimentos que percam dinheiro.
Quer isto dizer que, neste caso, nem precisamos de mais nenhum factor; a própria lei impede que se faça habitação a preços acessíveis porque não compensa. Seria necessário desrespeitar as regras urbanísticas ou então, respeitando-as, ter prejuízo na aplicação dos dinheiros públicos. Se fosse uma residência de luxo – que é a maneira parola de nos referirmos à construção decente que a classe média não pode pagar – acabava-se o problema: faziam-se menos camas, cobravam-se os valores necessários para pagar a obra. Existem residências destas em Lisboa, no centro da cidade, com quartos espaçosos, bons serviços, e mensalidades que rondam os 800 euros. O Estado previu para a residência da 5 de Outubro valores tabelados que andam abaixo dos 100 euros.
Nada disto nos faz cair para trás de surpresa. O Estado é a esquerda, e a esquerda define as regras de maneira demagógica, irresponsável, apressada e estatista. Depois, como as coisas não funcionam, aplica-lhes umas pancadas para as endireitar – a incorrigível duplicidade do PS. No final resulta um sistema todo amolgado. Aqui, nem o próprio Estado consegue desembaraçar-se da confusão que inventou. Acusam os privados, os “mercados”, a “ganância” e “a especulação imobiliária” de todas as perversões. Mas os beneméritos do PS prometeram uma residência para estudantes, a preços acessíveis, num edifício público, com dinheiros públicos, não se sabe se sujeitos ao mesmo regime fiscal que os privados, e no fim de contas não a conseguem fazer.