A inteligência artificial representa uma capacidade de automatizar tarefas complexas,  podendo transformar radicalmente o mercado de trabalho. Enquanto a tecnologia promete  aumentar a produtividade e gerar novos produtos e serviços, também traz preocupações  sobre o futuro do emprego e o agravamento da crescente desigualdade social. Atualmente,  enfrentamos a questão de como podemos garantir que os benefícios da inteligência  artificial sejam distribuídos por todos e não apenas pela elite tecnológica. Porque a tecnologia pode retirar empregos, mas não tira o salário do trabalhador, alguém com esse fica, sendo tal ato a preocupação.

A evolução da tecnologia tem sido exponencial, não tendo limites à vista. O lançamento  do ChatGPT da OpenAI, no final de 2022, despertou o interesse e abriu a caixa de Pandora  da Inteligência Artificial, com lançamentos comerciais de algoritmos de Machine  Learning que prometem revolucionar todos os setores da nossa sociedade. Tal como nas  primeiras aplicações da máquina a vapor, imensos postos de trabalho encontram-se em  risco de serem reduzidos ou desaparecerem por completo, em áreas que vão desde ao  apoio ao cliente, jurisprudência, ensino, análise de Mercado, criadores de conteúdo e a  própria criação de código e engenharia de software.

A Revolução Industrial obviamente destruiu muitos empregos tradicionais de manufatura,  mas o crescimento económico e as novas e crescentes necessidades, criaram postos de  trabalho em minas de ferro ou carvão, e na construção civil, tal a necessidade de criação  de novas vias de comunicação, habitação em cidades e infraestruturas em geral. O Fórum  Económico Mundial prevê que, já em 2025, mais de 85 milhões de postos de trabalho  sejam destruídos pela IA, num processo que criará 97 milhões de novos empregos,  promovendo um claro balanço positivo. Engenheiros de dados e de software são apenas  exemplos das novas necessidades.

Mas, mesmo desmistificando que a IA não acarreta o risco de colocar a maioria da  Humanidade permanentemente no desemprego, haverá um negro período de readaptação  e aprendizagem de novas habilidades, que não estarão ao alcance intelectual e financeiro  de todos. É ainda sabido que o desemprego, mesmo que temporário, e a incerteza na  estabilidade financeira do indivíduo, servem de rastilho para discursos extremistas, sendo  o combate efetivo das desigualdades sociais a melhor arma no duelo que o mundo  ocidental hoje guerrilha com a extrema-direita.

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Uma limitada análise de dados macroeconómicos e níveis de emprego fazem crer que  caminhamos no sentido de uma utopia liberal, mas um olhar mais cuidadoso para outros  indicadores mais descritivos da vida do cidadão comum, revelam que a revolução  tecnológica tem alteado a desigualdade económica, com um acentuar da polarização do  capital mundial entre classes e nações. O comportamento agressivo do mundo  empresarial, tende a utilizar o aumento de rendimento dos processos industriais e de  produção para acumular mais riqueza.

A Amnistia Internacional alerta que os atuais atrasos no acesso à tecnologia só serão  exacerbados caso não haja regulamentação e corporação humanitária e social. É  fundamental garantir uma segurança social muito além da que temos hoje, num mundo  em que cada vez temos mais recursos e numa era em que, com o mesmo esforço, podemos produzir muito mais. Dada a urgência e a rapidez com que a tecnologia altera o nosso  modo de vida, temos, enquanto sociedade, de debater o tipo de Estado que queremos e  que apoios poderão existir de forma a colmatar as desigualdades sociais e garantir o  mínimo de dignidade a todo e a cada indivíduo.

Lançar a discussão de um rendimento básico universal é basilar quando se pensa em  construir uma política social para o futuro. Deve-se procurar discutir a legitimidade,  moralidade e moldes de um regime em que todos recebem, de forma incondicional, uma  renda básica do Estado, que deve garantir o mínimo de uma sobrevivência digna.

O exemplo prático mais concreto de um sistema de rendimento universal básico surge, antiteticamente, da selva liberal que são os Estados Unidos da América, mais  concretamente no estado do Alasca. O Fundo Permanente do Alasca capta e gere impostos  sobre as empresas petrolíferas que operam no estado e tem distribuído dividendos anuais  a todos os seus habitantes de, em média ajustada, 1600 dólares, tendo chegado aos 3284  dólares no ano de 2022. Estudos recentes provam que este pequeno rendimento universal  é suficiente para reduzir em 40% o número de habitantes do estado que vivem abaixo do  limiar de pobreza.

Em Portugal, o rendimento básico universal ainda é um assunto frio, com apenas algumas  tímidas sugestões por parte de partidos mais à esquerda do espectro político. Contudo,  este debate deve ser promovido, inclusive pelos partidos do dito centro, para que o país  não fique para trás e o possa até liderar num contexto europeu, pois os desafios que o  despertam são mundiais.

Os eleitores do Alasca cedo compreenderam que as empresas petrolíferas lucravam com  um recurso que lhes pertenciam e assim, obrigaram-nas a contribuir para o seu bem-estar,  dentro do mundo capitalista, com uma atuação de Estado forte. Haverá assim tanta  diferença entre um recurso natural e um recurso tecnológico? O ser humano que descobriu  o fogo não declarou posse sobre este, nem patenteou a forma de o gerar. O que distingue  quem descobriu o lítio que hoje é usado num carro elétrico de quem criou o software  automóvel que retira o emprego ao seu condutor? De facto, alguém assumiu o risco  quando fundou a equipa que desenvolveu um algoritmo mágico e por tal deve ser  compensado, assim como também todos os que escreveram uma linha de código que seja,  sem a qual não havia produto.

As desigualdades sociais agravam-se e o “work hard earn hard” é uma falácia para os  jovens na complexidade sociológica em que vivemos. De forma alguma se deve procurar destituir o capitalismo, mas sim torná-lo mais justo, onde, se todos tiverem o suficiente,  se possa discutir quem deve ter mais que suficiente. Uma proposta de rendimento básico  universal será obviamente cara e talvez em 2024 ainda seja apenas uma utopia sonhada,  mas, no futuro que se perspetiva, será uma peça indispensável à redistribuição de riqueza,  algo injusto apenas se acharmos justa a sua atual distribuição.