Quando ando pelo centro de Lisboa, a pedir licença para passar por entre os turistas, penso muitas vezes numa grande amiga que morava na Graça, trabalhava no Chiado e ia todos os dias no elétrico 28. Agora teria de ir (e voltar!) a pé.  Não há lugar no elétrico, (fazem fila no meio da rua no largo Camões), os autocarros não passam por entre os tuk-tuks, e os passeios estreitos estão cheios.

À noite no Bairro Alto, Chiado e São Paulo, os turistas mais novos gritam em bandos de pub crawls, urinam onde lhes apetece, o chão de manhã cheio de garrafas partidas e copos de plástico.

Os restaurantes da Baixa agora vendem paellas. Os pastéis de bacalhau de tamanho XL são recheados de queijo tipo serra. E a novidade é um pastel de nata milkshake. Dos restaurantes lisboetas da Baixa, sobra um e não é o melhor. No Chiado ainda há uma tasca, mas não deve durar muito.

Os prédios do centro de Lisboa são para os turistas, e os filhos dos lisboetas vão morar para longe, cada vez mais longe.

As pessoas começam a fartar-se do incómodo, do abuso, da destruição do património, e da injustiça de ganharem uns para perderem tantos.

Os próprios turistas já não acham tanta graça à cidade, e os novos residentes estrangeiros já falam de Lisboa no passado.

Em 2011, estiveram em Lisboa cerca de 4.9 milhões turistas estrangeiros. Em 2022 o número foi 11.1 milhões. Isto para além dos mais de 600 mil visitantes de cruzeiro. Em 2021 havia no centro de Lisboa mais 20 600 residentes estrangeiros do que em 2011. Parte destes novos residentes são estrangeiros ricos a aproveitar os benefícios fiscais. Mas o turismo também atrai muitos imigrantes, trabalho pouco qualificado, para encher as cozinhas dos restaurantes, tratar das roupas nos hotéis, conduzir os ubers e os tuk-tuks.

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Para compensar a entrada de estrangeiros no centro de Lisboa, saiu um número comparável de portugueses, 27 000, uma boa parte para as periferias. Um professor de economia catalão dizia-me que nas ilhas baleares o ajustamento é mais difícil. Vêm os turistas e os locais não têm para onde ir.

Agora, só se ouve falar de taxas turísticas. A seguir à pandemia, o Butão introduziu uma taxa turística, de desenvolvimento sustentável, de 200 dólares por dia. Em 2023, baixou a taxa para metade. O objetivo é ter 300 000 visitantes por ano e vão ajustando a taxa para atingir o objetivo. Amesterdão cobra uma taxa de 12.5% sobre o custo do alojamento. Por uma noite de hotel de 200 euros, é uma taxa de quase 25 euros. Um pouco mais alta que a taxa turística de Lisboa que foi este ano aumentada de 2 para 4 euros por dia.

Amesterdão também cobra aos visitantes em cruzeiros 14 euros por dia (era 8 euros). Lisboa decidiu em 2016 impor uma taxa única de um euro aos desembarcados dos cruzeiros, mas nunca conseguiu cobrar. Não foi por falta de vontade da Câmara ou do seu atual presidente, mas por inexplicável inoperância da Administração do Porto de Lisboa. Finalmente, este ano vai cobrar a taxa aumentada para uns miseráveis dois euros.

O bilhete de um bom museu numa cidade europeia pode custar mais de 20 euros. Porque é que a visita de Lisboa custa 2 euros? Dois euros é provavelmente o limite inferior da gorjeta para o rapaz das malas. Porque é que uma cidade como Lisboa se satisfaz com gorjetas? Porque não cobrar aquilo a que tem direito, que os lisboetas exigem, e que poderia ser o primeiro passo para um turismo que se auto sustente e que não destrua património?

É que o turismo é um serviço muito diferente da maior parte dos bens e serviços que são exportados. O maior fornecedor do serviço é a própria cidade. Há limites àquilo que a cidade de Lisboa pode cobrar. O limite é o custo/benefício de cidades comparáveis. Mas Lisboa é uma cidade ainda encantadora, bem merecedora de um bilhete de visita caro.

Há muito boas razões para cobrar uma taxa turística. Quanto custa limpar todo um centro de uma cidade coberto de copos de plástico e garrafas partidas, e alguma urina? Mas muito mais importante do que isso, quanto custa a destruição irreversível do património cultural da cidade?