O futuro do PSD tem sido largamente discutido. Atendendo ao que está hoje em cima da mesa, não tenho a certeza de que importe assim tanto. Quando o PS estiver fora do poder, a discussão, que aliás já começou, provavelmente ainda será feita nos mesmos moldes, com o que também já está em cima da mesa. E importará igualmente pouco. A análise de como medrar num sistema falido pode ser deleitosa, mas não é inteligente.

O PSD é liderado por Rio, que parece ter um acordo de mínimos com o PS, coisa que defendeu durante a campanha para as eleições internas e foi eleito. Grave nisto, para mim, é o acordo poder incluir qualquer coisa como afastar a Procuradora Geral da República para que o regime não abale até às fundações.

De resto, manter o sistema é coisa que a oligarquia faz com gosto, perpetuando-se quer através de todos os canais que, pouco imaginativamente, se lhes abrem para falarem do futuro do PSD, ou de outra coisa qualquer, quer garantindo o acesso a família e amigos ao circuito para que este se mantenha “familiar”. Quando Kohl morreu, lembro-me de vários comentários jornalísticos começarem assim: “um político que serviu a Alemanha durante 60 anos”. Por cá, tal coisa nunca se ouve, nem a cultura do serviço público é coisa que passe de geração em geração para justificar clãs.

Rio, que é liberal nos costumes, centrado nas propostas e domina o que está a fazer, tudo vantagens a meu ver, é, no entanto, um líder fraco. Ou isso, ou resguardado da sua oposição interna, por estes dias sentada no Parlamento, a maioria à espera de Montenegro desde o congresso. Nenhuma novidade, as mesmas técnicas, táticas e discurso.

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Há também a crescente, e notória, influência da maçonaria no PSD de há uns anos para cá.

Pode um partido ter maçons? Claro que pode. Um partido pode ter membros que pertençam a todos os grupos de interesse. Mas num tempo em que a transparência é fundamental, esses interesses deviam ser declarados. Temos o direito de saber a quem pagamos, em quem votamos e como são tomadas as decisões. O escrutínio tem de ser possível. A opacidade só permitiria dúvidas acerca das escolhas do PSD recaírem sobre as melhores pessoas ou sobre os melhores maçons e, então, teríamos aqui outra coisa. De resto, para as mulheres, num partido com um aparelho altamente conservador, como são, aliás, os dois partidos maiores, seria duplamente penalizador.

Miguel Relvas, para influenciar o futuro do PSD, escrevia no Expresso que está a acontecer “uma transformação inexorável (quem é que ainda fala assim?) nas dinâmicas de um mundo em aceleração constante”, que talvez então só não atinja os políticos, digo eu. Afinal em Espanha, e pouco tempo antes, Aznar também se propôs refundar, de fora, o centro-direita. Coisa que Miguel Relvas também quer fazer, mas, para além da crença na iniciativa privada, que não distingue os centros, a única coisa que me lembro é que ele, tal como Santana Lopes durante a campanha das eleições internas no PSD, eram contra as propostas da esquerda porque não queriam alimentar a agenda desta. Tenho dúvidas acerca da atualidade deste discurso.

Já agora, se é para aproveitar lições espanholas, os militantes do PP espanhol, tal como os do PSOE antes deles, correram com o aparelho nas primárias. No caso concreto com Leonor Cospedal, secretária geral dos Populares há 10 anos.

Philip Roth tem um parágrafo para algumas destas figuras: “Como é possível que, embora equipados com a máquina toda, um cérebro, uma medula espinal, e as quatro aberturas para os olhos e os ouvidos – equipamento quase tão impressionante como uma televisão a cores – (a partir daqui adapto) eles atravessem a vida partidária sem a menor noção dos sentimentos e anseios de quem quer que seja além deles próprios?”

É que entre estas lutas de que nenhum eleitor quer saber, e a operação Tutti-Frutti, envolvendo partidos no poder, e todos os casos antes dela, de que todos sim querem, não há português que não faça as suas leituras, sendo a mais evidente delas, a de isto ser um sistema que só serve os próprios e que só os próprios têm o poder de mudar, mas que obviamente não o fazem porque, por enquanto, continuam a conseguir manter-se. Mas os eleitores não. E a informação, graças a Deus, torna as coisas mais transparentes. Admira-me como ainda ninguém se socorreu do artigo 52º da Constituição.

Há ainda Santana, que talvez faça um novo partido, representando a ala conservadora do PSD, que ele, de facto, representa. Pois é, há mais coisas entre o céu e a terra do que a direita e a esquerda…

Resta outra ala, também presente no PSD, que cavalga a onda de Trump e desse eleitorado mais à direita, profundamente conservadora e reacionária. Tem um simétrico na esquerda portuguesa. Qualquer observador atento pensa que, se dão votos no resto do mundo, também darão em Portugal.

Há 15 dias, Alexandria Ocasio-Cortez, de 28 anos, derrotou surpreendentemente o veterano Joseph Crowley, 10 vezes nomeado e dado como futuro Speaker, numa das primárias democratas para o Congresso dos Estados Unidos. Muito do que defende é lugar-comum na Europa, apesar de nos EUA o discurso ser considerado radical de esquerda. Alguns dos problemas que levantou discutimo-los hoje, em Portugal, todos os dias.

Não sei quem, por cá, poderia ter o discurso da Ocasio-Cortez, mais uma vez adaptado: “Sou uma cidadã que trabalha. Depois de 20 anos da mesma representação temos de perguntar: para quem tem mudado Portugal? Todos os dias é mais difícil as famílias viverem. As rendas não param de subir, a saúde é cada vez mais cara ou demorada e os nossos rendimentos mantém-se iguais. É claro que as mudanças não foram para nós.”

Por razões óbvias, Pedro Nuno Santos não será.

Ainda em Junho, um relatório da OCDE apontava Portugal como um dos países com menor mobilidade social. Quem nasce pobre, tende a manter a pobreza por cinco gerações.

É por isso que talvez importe discutir Portugal e como escolhemos os políticos que depois serão governantes de qualquer coisa e que obrigações, e direitos, têm eles depois de eleitos. Já não tanto o PSD, ou o PS quando estiver fora do poder, ou qualquer outro.

Jurista