Mais magro, com ar de férias, António Costa reapareceu em entrevista televisiva no canal que o contratara como “comentador”, para se “desforrar” das alusões sibilinas da PGR, Lucília Gago, sobre a sua demissão do governo e, de caminho, para se pronunciar, também, sobre o Orçamento de Estado, o documento que ainda ninguém conhece nos seus pressupostos, mas do qual muito se tem falado.
Lucília Gago apontou baterias para a actual ministra da Justiça, sabendo de antemão, à beira de terminar o mandato, que nada acontecerá, e lembrou, por analogia, casos de governantes europeus, que embora alvo de investigações judiciais, não precisaram de demitir-se para se defenderem.
Claro que a “carapuça” visava António Costa. Este não se fez rogado, e aproveitou o “tempo de antena” para “responder” à PGR, cáustico, concluindo, sem arrependimentos, que fez o que entendeu fazer ao demitir-se, não partilhando os “padrões éticos e de exigência” no exercício de funções públicas da procuradora-geral. Seco e grosso.
Já com o amparo de ser presidente designado do Conselho Europeu, Costa, doravante, está noutro “campeonato”, que não passa pelas intrigas de “comadres e compadres” tão típicas da fauna política lusitana, nem pelo “jogo de cintura” e de equilíbrios internos no PS – ou pelas “geringonças”, que se revelaram preciosas para o salvarem na derrota.
A sua “taça”, agora, respeita à “liga” europeia, na qual poderá aperfeiçoar os seus tão incensados dotes de negociador para harmonizar os contrários, sem precisar do catastrofismo climático de António Guterres para dar nas vistas.
Se repararmos no currículo político de António Costa, será forçoso reconhecer que estamos perante um corredor de fundo, sem vocação, contudo, para “cabeça de pelotão”, sabendo que lhe faltam as qualidades de empreendedor, capaz de protagonizar reformas ou mudanças profundas à sua volta. Nem como autarca nem como governante.
Em contrapartida, sobeja-lhe um apurado sentido de “timing” político, exemplarmente demonstrado na forma como “perseguiu” e alcançou o lugar cimeiro no Conselho Europeu.
Longe vão os tempos em que Costa fazia constar ter recusado um convite para um alto cargo europeu por não querer “desertar do país”, distanciando-se, crítico, da façanha de Durão Barroso.
Agora, e antes mesmo de ser empossado em Bruxelas, alivia-se em conselhos sensatos – ressalvando sempre não querer interferir na vontade do PS – ao avisar que “nem o Governo deve transformar o Orçamento numa moção de confiança” nem a “oposição deve transformar o Orçamento numa moção de censura”.
Com realismo, Costa confirmou ter concluído uma etapa de vida e sossegou Pedro Nuno Santos ao prometer que “não me vou recandidatar ao cargo de primeiro-ministro”. O País agradece.
Nesse particular, segue os passos e os ensinamentos do seu antigo colega de partido e de governo, António Guterres, que nunca mais quis saber do “pântano” – do qual se libertou, após, inesperadamente, “atirar a toalha ao chão”, para surpresa de amigos e de correligionários.
No exercício do segundo mandato de secretário geral das Nações Unidas, Guterres poderá ter perdido, em definitivo, a oportunidade de ficar na história da organização – devido à tibieza e às hesitações que evidenciou, em especial, no quadro da invasão russa da Ucrânia -, mas, melhor ou pior, tem visibilidade internacional garantida até ao final de 2026.
A menos que encurte a sua permanência em Nova Iorque, para ser candidato a Belém e disputar as eleições presidenciais portuguesas…
Note-se que não é a primeira vez que o seu nome é incluído em sondagens prospectivas, como aconteceu recentemente, surgindo logo a liderar os resultados.
E recorde-se, ainda a propósito, que o próprio Marcelo Rebelo de Sousa confessava, durante uma aula-debate, em 2018, já com dois anos de presidência, que “quase de certeza não era candidato, porque eu achava que ele cumpria essa missão melhor do que eu. Porquê concorrer contra ele?”.
Bons amigos, companheiros e cúmplices nas andanças pelos círculos do activismo católico, Marcelo nunca escondeu a sua admiração por Guterres.
Ora, se Guterres decidisse, entretanto, fechar a carreira política sucedendo a Marcelo em Belém, seria uma bênção para as aspirações socialistas, e um “balde de água fria” para os outros putativos candidatos da casa, entre os quais Mário Centeno, actual governador do Banco Central.
Apesar de Centeno dizer, em estilo de quem lança o “barro à parede”, que quer chegar a julho de 2025 em “condições de ter um segundo mandato” como governador, não fecha a porta à hipótese de uma candidatura a Belém.
Se há características de personalidade que Centeno não esconde, um delas respeita às suas ambições. Nisso é cristalino. Talvez demais…
Além de ter preparado, meticulosamente, a sua transferência directa do ministério das Finanças para o BdP – zurzindo no então governador Carlos Costa, com contornos de duvidosa ética politica – convirá lembrar que Centeno aceitou ser a alternativa que António Costa levou no bolso para propor a Marcelo, em sua substituição, como primeiro ministro, após demitir-se.
Não fosse a circunstância de o Presidente estar “amarrado” ao compromisso que assumira na cerimónia de posse do governo socialista e de sentir que precisava de ser coerente com tudo aquilo que afirmara (em relação ao cenário de uma saída de Costa para a Bruxelas), e Centeno teria “herdado” um governo com suporte maioritário no Parlamento, e uma legislatura ainda no início.
Se falhou essa possibilidade que lhe “caíra ao colo”, não enjeita, visivelmente, disputar a Presidência.
Belém é uma espécie de magneto, um poderoso íman, que muito cedo atrai os anseios e se desdobra e adere a diversos tabuleiros.
As eleições presidenciais vêm longe e teremos, antes, ainda, as autárquicas – e, eventualmente, legislativas antecipadas, se governo e oposições não se entenderem para deixar passar o Orçamento -, mas já despontaram as sondagens, com o habitual sortido de supostos candidatos e de palpites.
Claro que estas sondagens não “aquecem nem arrefecem“ e servem apenas para ocupar a legião de “comentadores” que têm dificuldades, neste período de férias, em cumprir as avenças e entreter os seus seguidores.
Por isso, alinham-se nomes. Além de Guterres e de Centeno, já apareceram os do almirante Gouveia e Melo, de Luís Marques Mendes, de Ana Gomes, e, de vez em quando, de Pedro Passos Coelho, entre outros. Assiste-se ao desbobinar de hipóteses, fomentadas pelos institutos especializados, que precisam de ganhar a vida.
São inquéritos inócuos, de onde “não vem mal ao mundo”, mas servem para alimentar vaidades e despertar um certo sorriso dos eleitores a banhos…
Em contrapartida, há países, como a Venezuela – onde mourejam muitos milhares de portugueses e de luso-descendentes -, que dispensam essas dúvidas e maçadas nas presidenciais, porque se sabe, de antemão, quem ganha as eleições.
O problema é quando as populações, cansadas da miséria num país de solo rico, ganham consciência da gigantesca e grotesca fraude que os isola do mundo e se revoltam contra o poder autocrático, para desgosto do nosso PCP e acólitos, que não aprenderam nada com a queda do Muro de Berlim, nem como o colapso da União Soviética.
Enquanto, aparentemente, não faltam os interessados na sucessão de Marcelo, este, para contrariar o plano inclinado da sua popularidade, pôs no “congelador” o chamado “caso das gémeas”, quando há muito se percebeu que os esforços de André Ventura para “entalar” o Presidente não têm “pés para andar”.
Seria, aliás, desejável, que a comissão de inquérito se libertasse do tom inquisitorial usado por alguns deputados, e se debruçasse com um módico de humanidade, sobre o estado de saúde das duas crianças, e se o tratamento aplicado em Portugal, teria ou não contribuído para as salvar de uma doença rara.
Nos entretantos, em vésperas de partir em vilegiatura, Marcelo resolveu “dar um ar da sua graça” e promulgar, em bloco, um conjunto de diplomas aprovados no Parlamento pelas oposições, contra a vontade do governo, alguns com a ajuda do Chega.
Contas feitas, a factura pesará no próximo Orçamento de Estado e não será meiga. E mesmo com Luís Montenegro a pedir que “tem de haver um reverso da medalha”, para compensar o agravamento previsível da despesa, essa preocupação não parece encontrar grande eco nas fileiras das oposições.
Com este gesto, Marcelo presumirá, talvez, que “amansa” as oposições, em particular a socialista, retirando-lhes trunfos para “chumbar” o Orçamento.
É uma tese com as suas fragilidades. A menos que Pedro Nuno tenha medo das possíveis consequências de outra dissolução do Parlamento, secundado por André Ventura. Os favores do eleitorado têm dias e, não raramente, capricham em mudar o azimute.
Há quem pense, no entanto, que Marcelo não quererá ficar com o ónus de outra crise política, neste ano e meio que ainda lhe resta de mandato, embora tenha advertido um dia de que “até setembro de 2025 tenho poder de dissolução”. E quem avisa…
Nota em rodapé – Na Direcção Geral de Saúde (DGS) o Verão não é bom conselheiro. Num inquérito sobre a menstruação, as mulheres foram substituídas por “pessoas que menstruam”. A aberração faz parte de um questionário `online´ intitulado “Vamos falar de menstruação?”, cujo objectivo é “realizar um diagnóstico de situação sobre saúde menstrual em Portugal”, e para o qual a DGS “convida à participação de todas as pessoas que menstruam”, cedendo à patética orientação da doutrina woke .
Resta saber se a iniciativa coube à jovem directora geral , Rita Sá Machado — que substituiu Graça Freitas, um dos rostos da pandemia do Covid 19 – ou se validou tão original consulta, muito na linha dos ensinamentos que têm contaminado as aulas da chamada disciplina de Cidadania. Faltam as explicações da directora geral e da ministra da Saúde, a quem, aliás, se dirigiu o grupo parlamentar do PSD, pedindo que esclareça quem autorizou a campanha da DGS sobre a menstruação.
É tempo de ultrapassar infantilismos e modas de ocasião, que poderão agradar ao radicalismo do Bloco de Esquerda e aos movimentos LGBT, mas que expõem a DGS ao ridículo, abalando a confiança que os cidadãos precisam de ter num organismo do Estado, com a importante função de vigiar a saúde dos portugueses.