As sociedades estão cada vez mais divididas, polarizadas e a generalidade das pessoas vive em estado de ansiedade. Ansiedade quanto ao futuro, ansiedade quanto ao dia presente. Atrevo-me a afirmar: as pessoas andam zangadas porque se sentem esquecidas, não escutadas.
Alguns partidos políticos, na atualidade, seguem uma tendência fraturante, apesar de se movimentarem em regimes democráticos, cada vez mais se inclinam para discursos polarizados, apresentando poucas soluções governativas éticas e pragmáticas quanto ao tema da imigração. O pragmatismo não se rege por ideologias subservientes e populismos inflamados. O pragmatismo e a ética são assentes no benefício da reciprocidade premissa que sempre orientou os partidos sociais-democratas. Para cada direito há uma obrigação. Por cada direito criado nova obrigação deverá ser gerada.
Na atualidade ganham terreno os partidos que advogam um discurso simplista para grupos de vítimas ou agressores. O tecido da nossa sociedade está a ser afetado por fossos profundos, entre os que detêm mais poder económico e aqueles que mesmo exercendo atividade profissional vivem em precariedade ou perto dela, já sem contar com aqueles que são considerados extremamente pobres, vulneráveis e excluídos da participação social. A redução dos rendimentos reais do trabalho auferidos pela generalidade da população está a criar novas ansiedades para as pessoas, acentuando novos ódios e novas visões menos refletidas. Estamos demasiado preocupados em como fazer “esticar” o salário até ao final do mês, não sobrando espaço para as pessoas terem tempo de reflexão política. Em resultado disto reagem não refletidamente como resposta ao seu legítimo descontentamento. A miséria, o abandono e a precariedade nunca foram aliadas de sociedades informadas e reformistas.
Presentemente o campo de batalha político parece ser travado em ataques de ideologias populistas. Os políticos oferecem soluções instantâneas e pouco informadas. Na prática são soluções que não redundam em resultados satisfatórios, sendo que muitas destas medidas dificilmente se operacionalizam pois, uma vez, promulgadas, encontram inúmeros obstáculos na sua concretização e aplicabilidade, ou a resultados que não foram devidamente antecipados, alguns causando dolo para as comunidades.
Parece que hoje pretendemos escutar líderes inflamados que são os porta-vozes das zangas de alguns grupos de cidadãos.
O marxismo ganha vigor num mundo que esqueceu as mortes e a pobreza ditadas por este cunho ideológico, por outro lado as narrativas do nacionalismo puro, que fora desacreditado pelo Holocausto, são alimentadas pelas políticas anti-imigração. Assistimos hoje à instrumentalização da imigração, o ódio da classe social é hoje substituído pelo ódios para com um grupo social: os imigrantes. Mas será que as pessoas odeiam mesmo este grupo de imigrantes? Ou na verdade sentem que o descontrolo a que estas pessoas são remetidas lhes confere periculosidade pela extrema vulnerabilidade e ausência de enquadramento social a que ficam sujeitos. Estaremos a falar de um ódio para com um grupo ou de uma reação à negligência na gestão dos fluxos migratórios que o último governo tratou de acentuar. Os portugueses sentem que há uma descaracterização do seu território, das suas cidades, aldeias, costumes e não há lá ninguém para gerir a inclusão destes novos migrantes. Precisamos de sentir segurança através da mediação. Os portugueses sentem que não há um mediador capaz de criar um espaço de interculturalidade, um espaço comum entre os que hoje chegam e os que por cá já permanecem. Ora, a perceção das populações é a de que há uma falta de controlo sobre a imigração, muito resultado da (des)”regulação do regime legal de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território nacional”, legislação implementada pelo governo Socialista.
Um fenómeno muito preocupante recentemente observado na Europa e tendo como principal promotor a Rússia é o da instrumentalização dos migrantes nas fronteiras externas da UE. Este fenómeno resulta dos intervenientes estatais de países externos à União Europeia que fomentam e viabilizam a migração irregular, países terceiros que instigam fluxos migratórios irregulares para a União, ao incentivar ou auxiliar ativamente a deslocação de nacionais de países terceiros para as fronteiras externas da Europa. Estes países utilizam os fluxos migratórios como instrumento para fins políticos, com o objetivo de desestabilizar a União Europeia e os seus Estados-Membros, potenciando a fragmentação do projeto europeu. Colocando pressão sobre os Estados Sociais que assim vão sentido cada vez mais dificuldade em responder satisfatoriamente às populações, em áreas como a educação, saúde e a habitação. Por outro lado, espalham-se ideias de invasão quando os imigrantes vão sendo deixados sem adequado enquadramento legal e de proteção social, à deriva pelos países europeus.
A imigração é um paradoxo para a Europa por um lado a necessidade de a receber como mão de obra necessária, por outro a imperativa prioridade que deve ser dada à capacidade dos países em absorver tais imigrantes no espaço comunitário dos seus territórios. Ousando definir um sistema de diretos e obrigações, suportado pela capacidade de saber acolher. A imigração quando bem acolhida e integrada é um natural benefício para ambas as partes: para a sociedade de acolhimento bem como para os próprios imigrantes. Urge por isso que Portugal pense na integração da imigração e simultaneamente na sua regulação.
Importa ainda olhar para os imigrantes não como um todo homogéneo, sendo possível detetar a coexistência de perfis migratórios bem distintos, de uma forma, algo simplificada, podem ser caracterizados pela existência subgrupos diferentes no que que concerne a Portugal: a comunidade da imigração tradicional para Portugal constituída por todos os países lusófonos e também pela imigração de leste (Ucrânia, Moldova) de fácil integração na realidade portuguesa, e, por outro o subgrupo constituído por novas origens de inexistente ligação linguística, cultural e religiosa a Portugal; estas novas origens têm revelado mais morosa a sua integração, como é obvio, obrigando ao desenho de políticas que deveriam ser de maior proximidade e regulação, por forma, a combatermos a segregação e auto-segregação destes novos imigrantes.
Os europeus têm de estar preparados para fazer parte do novo mundo em que seremos certamente uma parte menor da população, e também em proporção à dimensão da nossa importância na economia mundial. Significa isto que temos como alternativa procurar influenciar a política global, ter capacidade tecnológica e sentido unidade. Unidade é a palavra-chave. Os europeus têm de estar mais unidos. Precisamos por isso de líderes políticos que promovam essa união de qualidade e o diálogo construtivo, com sentido ético e de responsabilidade pelo coletivo. O tempo é de fomentarmos uma identidade partilhada. Mas uma política ética e pragmática apenas pode emergir quando a sociedade tiver cidadãos com massa crítica que a exijam e não se contente com políticos envolvidos em discursos demagogos, esquemas de favorecimento pessoal e casos de corrupção. Cidadãos que não se iludam com paliativos financeiros e receitas milagrosas para doenças crónicas.
Olhando para Portugal o que aconteceu recentemente foi um aumento substancial das situações de pobreza ou de pessoas que embora exerçam uma atividade laboral remunerada não conseguem fazer face às necessidades básicas de subsistência. O nosso sistema político não está a ser capaz de pensar em medidas de política social e económica capazes de reverter esta situação. O trabalho perdeu valor económico e as despesas mensais têm se tornado incomportáveis para o rendimento mensal médio. Assistimos, durante a vigência da recente governação socialista à priorização das transferências via prestações sociais para atenuar a exclusão: afinal alguns euros retiram os pobres da extrema pobreza, pelo menos estatisticamente, elevando-os para o degrau de risco de pobreza, mas não impulsionando a necessária melhoria efetiva do seu bem-estar. Por outro lado, a classe média está esmagada, com rendimentos que não melhoram a sua qualidade de vida, sentindo-se tantas vezes, deixada para trás nas medidas de suporte disponibilizadas pelo Estado Social. Os serviços do Estado Social estão deteriorados, desinvestidos e em rutura.
Parece, pois, que nas últimas eleições cerca de 20% dos portugueses se revoltaram porque se sentem abandonados na gestão dos seus problemas, o seu sentimento de pertença a um todo comunitário foi fragilizado, as populações não se podem sentir abandonadas num Estado que se deseja democrático. Ora, por isso cidadãos descrentes naqueles nos quais anteriormente tinham depositado a sua confiança, entregaram a sua esperança (leia-se o seu voto) a quem nunca teve o poder para os governar, logo nunca os pode desiludir. As relações políticas com os cidadãos constroem-se efetivamente na base da confiança.
Temos tomado como prioritárias as medidas individuais de resolução de situações isoladas, esquecendo que tais medidas de política social serão sempre paliativos se não acompanhadas pelo desenvolvimento económico do país. Porque falamos de direitos individuais e retiramos do discurso os direitos do coletivo, da sociedade como um todo, das famílias e das empresas. Uma tríade que sustenta um país. Para uma pessoa ter um direito outra tem de ter uma obrigação e essa relação deve ser evidenciada. Ora, quantos mais cidadãos participarem no espaço económico e social mais direitos podem ser assegurados e novas obrigações lhes serão associadas. Este sistema promove a reciprocidade e transmite uma imagem de participação, de exercício de cidadania. Esse é o caminho o da reciprocidade das sociedades.
Não nos contentemos com o extremismo, importa a moderação, a capacidade de escutar as populações ativamente, sabendo que é urgente a empatia política. A falta de empatia pelos cidadãos não permite o entendimento de que a política é o mecanismos de escutar as populações para que dai resultem adequadas políticas públicas. Não há democracia sem uma compreensão profunda dos problemas socioeconómicos o que nos conduzirá, naturalmente, a um compromisso num espaço comum. Citando Proust importa ao poder político “ver o universo com os olhos de outra pessoa, de cem pessoas, ver os cem universos que cada uma delas vê, que cada uma delas é”, poderá até parecer impossível à primeira vista mas o espaço comum só se construi da necessidade de pensar o outro e com o outro, de reconstruir o comum como elemento central da educação e da sociedade.