Tendo em conta as novas restrições à imigração que tem no seu programa o governo de Luís Montenegro acho importante levantar agora a questão dos vistos humanitários.
Dia 24 de abril deste ano, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução na qual insta os Estados-Membros a concederem vistos humanitários e outros tipos de apoio aos dissidentes russos. Mas em Portugal, infelizmente, o conceito de vistos humanitários ainda não existe. Está apenas presente numa proposta dentro do programa da Iniciativa Liberal das últimas eleições legislativas. Espero que seja possível converter esta proposta num projeto-lei, admitindo a importância do apoio dos vários partidos para que se torne realidade.
Um visto humanitário é destinado a pessoas que precisam de proteção internacional, principalmente nacionais de estados que os ameaçam de repressão por causa das atividades que exercem. Este tipo de visto já foi implementado e funciona bem noutros países, como Alemanha, França, Polónia, Lituânia e Brasil. Milhares de ativistas, artistas e jornalistas de várias nacionalidades conseguem continuar o seu trabalho, protegidos pelos estados que os acolheram.
Em Portugal existe um programa de asilo político, graças ao qual consegui em 2014 obter autorização de residência e depois adquirir a nacionalidade portuguesa. Mas o processo de asilo funciona só para alguns e com sorte: para pedir asilo é preciso, basicamente, enganar os serviços consulares portugueses, pedindo inicialmente um visto de turismo e, já em solo português, pedir asilo político.
Os pedidos de asilo de quem entra com visto Schengen de outros países estão a ser recusados com base no Regulamento de Dublim, que obriga o pedido a ser realizado no país que emitiu o visto de entrada. Muitos russos e bielorrussos, sem qualquer tipo de visto, não conseguem obter um por estar em países como a Geórgia ou o Cazaquistão, ficando ainda mais longe da possibilidade de pedir asilo em Portugal.
Se olharmos para os exemplos dos países que já mencionei, os vistos humanitários não só facilitam a entrada para as pessoas que pedem proteção internacional, mas também agilizam os processos, porque são emitidos em conjunto com as ONGs que podem validar os dados das pessoas em causa. É ainda eliminada a necessidade de tratar das irregularidades, por exemplo, quando uma pessoa entra no país, mas o pedido de proteção é recusado.
Outro apelo aos estados membros da mesma resolução do Parlamento Europeu fala sobre a necessidade de documentos de identificação (travel documents) para as pessoas residentes, aos quais foram negados serviços consulares, como a emissão de passaporte. Já acontece com cidadãos da Belarus, e pode acontecer em breve com os russos não fieis ao regime. Em causa estão, não apenas viagens, mas também qualquer serviço público que requer identificação quando o requerente não possui um passaporte válido.
Essa necessidade, não sendo tratada pelo estado português, pode facilmente ser usada pelo regime de Putin para recrutar pessoas como agentes nas suas redes de influência, o que põe em causa a segurança nacional. Nesse caso, já não estou a falar apenas sobre ativistas que não podem voltar para a Rússia, mas sobre milhares de russos e bielorrussos que chegaram a Portugal depois da invasão de 2022 e que não querem ter nada a ver com o regime militarista atual. Continuam as suas atividades aqui em Portugal como empreendedores, artistas e trabalhadores altamente qualificados, tendo sido este o conjunto de pessoas que encheram as ruas à volta da embaixada russa, em Lisboa no mês de maio, numa fila de protesto “Meio-dia contra Putin” no dia das “eleições”.
Todo o mundo conhece Aristides de Sousa Mendes, um português exemplar, que emitiu milhares de vistos para refugiados durante a Segunda Guerra, muitos dos quais sem aprovação do governo de Salazar. Hoje, de novo nos tempos de guerra, a União Europeia deve continuar a sua missão de ser um farol da liberdade para os que a procuram, e não deixar Putin destruir o espírito de solidariedade democrática construído na Europa, com tanto esforço de todos os países para restabelecer a paz sem prejudicar os valores que serviram de plataforma a essa União.