Uma geração inteira de russos desconhece a sensação de viver num país não subjugado pelo regime opressivo de Putin. Mas conseguem facilmente vislumbrar uma realidade diferente e mais promissora, graças ao árduo empenho de Alexey Navalny. Foi ele que construiu a imagem da “Admirável Rússia do futuro”, e tornou-se um símbolo dessa Rússia, para já, apenas imaginária.

Conheço pessoalmente Navalny desde 2005; compartilhamos projetos e passamos juntos dias na prisão, detidos durante as manifestações em Moscovo. Navalny ganhou fama no final dos anos 2000, revelando em seu blog no Livejournal os esquemas corruptos das empresas públicas russas, como a Gazprom, onde era acionista minoritário e obteve acesso aos documentos por meio dos tribunais.

O segredo de sua popularidade foi simples. Escrevia textos com uma linguagem rica, apelativa e repleta de humor, atraindo assim um amplo público, inicialmente pouco interessado nos assuntos abordados no blog.

Utilizou as mesmas técnicas cativantes para estabelecer uma relação quase amistosa com milhões de pessoas na Rússia mediante seu canal no Youtube e várias campanhas eleitorais entre 2013 e 2019, quando milhares de russos se juntaram nas várias equipas sob o comando de Navalny. Nunca se cansava levando a frente a sua luta contra corrupção, que ele chamava de “batalha final entre o bem e a neutralidade”.

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Envenenamento com Novichok em 2020 e prisão em 2021 limitaram suas atividades, mas tornaram Navalny num verdadeiro heroi nacional. Reconhecido em todo o mundo, o nome de Navalny representa milhões de russos que partilham os valores europeus da paz, democracia e liberdade, e que não devem ser ignorados.

Até em Lisboa, centenas de jovens russos se reúnem para se manifestar; há milhares deles em Portugal e milhões na Rússia, e merecem o apoio do mundo livre para nutrir e fortalecer essa esperança e aproximar a mudança que todos nós desejamos, a Admirável Rússia do Futuro.

Agora, com a morte de Navalny pelas mãos dos agentes desse regime, nas condições desumanas do isolamento, numa prisão distante da Sibéria, Putin queria extinguir o símbolo da esperança, mas em vez disso tornou-o eterno. Essa esperança reside na energia e vitalidade juvenil, contra a qual um regime dos velhos funcionários soviéticos apenas consegue apresentar uma força bruta.

Nas trincheiras da Ucrânia, matando não só jovens ucraniãnios mas também jovens recrutados por ele próprio, Putin luta contra as leis da natureza e contra o tempo, recusando-se a aceitar que o seu poder tem fim e limite. Antes da guerra não conseguimos impedi-lo protestando na Rússia; agora, essa missão recai sobre os valentes soldados ucranianos.

Não podemos subestimar as possibilidades e os perigos que o regime de Putin traz. Sonhando com a Admirável Rússia do Futuro, agora, mais do que nunca, devemos estar preparados aqui na Europa para encarar esse regime bárbaro numa frente unida.