Sinais dos tempos. O sindicalismo tradicional teve um papel importantíssimo nos estágios iniciais do Direito do Trabalho. Essa importância, infelizmente, tem vindo a diminuir drásticamente no último quarto de século passado. Em 2014, por exemplo, só cerca de 8% dos trabalhadores do sector privado se encontravam sindicalizados.

Daqui é possível extrair a conclusão de que o sindicalismo tradicional está em crise: diminui o número de sindicatos e o número de filiados, sendo que algumas estruturas fundem-se e outras extinguem-se (algumas ate por insolvência).

As razões deste fenómeno são variadas e complexas: pode dizer-se que com a estabilização democrática do país, os sindicatos institucionalizaram-se, passando a actuar segundo as regras do jogo político e a estar afectos à agenda de certos partidos políticos, funcionando como correias de transmissão das centrais Sindicais e dos partidos de esquerda, prestando-lhes indevida vassalagem, em vez de representarem os interesses dos trabalhadores.

Assim, os sindicatos “funcionalizaram-se”, tendo perdido o seu espírito “sonhador”, lírico, romântico, revolucionário e solidário. São hoje compostos por inúmeros profissionais, em lugar de companheiros e camaradas, trabalhadores dispensados dos seus empregos de origem, mais preocupados em ter sucesso neste seu novo “emprego” do que em dar voz aos assalariados que representam. Já nem mencionando a promiscuidade das migrações dos dirigentes sindicais para a política e vice-versa.

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É normal que sob estas circunstâncias, e perante sindicatos cada vez menos independentes e autónomos, o sindicalismo caia no desencanto, levando ao desquite entre trabalhadores e sindicatos, pois os primeiros não se revêm nos segundo enquanto seus legítimos representantes.

Um sindicato, ao estar desligado das centrais sindicais, actua com maior independência e autonomia, ou seja, não se sente pressionado a seguir o guião oficial e institucional de protesto que estas organizações pretendem impor. É preciso salientar que estes novos sindicatos têm nascido a partir de movimentos inorgânicos, tendo por característica a recusa de uma liderança forte e da mediação partidária, antes preferindo a guerra de guerrilha.

De facto, a liberdade, quando desenquadrada, pode dar origem a excessos, principalmente se associada a uma certa inexperiência na luta laboral. Daqui à radicalização e à imprevisibilidade é um pequeno passo.

Sintomaticamente, temos já cinco bons exemplos destas novas formas de reivindicação, muito mais social do que política: a greve dos professores às avaliações, a greve dos enfermeiros, a greve dos estivadores e agora a greve dos motoristas de matérias perigosas, sem esquecer o (inicial) incontornável movimento dos coletes amarelos, ainda que circunscrito essencialmente a França.

A questão do financiamento das greves através do crowdfunding é controversa e merece ser analisada com cautela.

Um dos princípios basilares que governa a actividade dos sindicatos é (e tem de ser) a sua autonomia e independência, quer em relação aos empregadores, quer em relação ao Estado, partidos e outras organizações da sociedade civil. Este princípio tem necessariamente repercussões no modo de financiamento dos sindicatos, o qual deve ser transparente, devendo a lei estabelecer as garantias adequadas a essa independência.

Por outro lado, é preciso ter em conta que a constituição de fundos de greve em Portugal não encontra previsão legal, conhecendo antes, e em geral, regulação nos estatutos das organizações sindicais.

Mais do que isso, o nosso ordenamento jurídico adoptou uma concepção orgânica da greve, o que significa que a decisão, a gestão e a implementação da greve pertence (quase) exclusivamente às associações sindicais. E ninguém tem dúvidas de que o financiamento corresponde a um encadeado de actos de gestão da greve, podendo influir de forma determinante no seu curso.

Ora, e sendo assim, o financiamento da greve através de fundos criados para o efeito deve ocorrer no seio dos sindicatos e dos seus filiados. De facto, um dos principais riscos associados às plataformas de crowdfunding é a instrumentalização e a captura dos sindicatos e trabalhadores em greve por interesses económicos e políticos alheios às reivindicações que despoletam a greve.

E, portanto, à parte a questão da legalidade, e estando certos que a constituição de fundos de greve por outras entidades que não os sindicatos é ilegal, enquanto o problema do anonimato associado ao crowdfunding não for ultrapassado, este não é um meio legitimo de financiamento das greves, uma vez que inquina a transparência e até a legitimidade que a greve pudesse ter.

E vem esta questão do financiamento das greves através do cromfunding a propósito do surgimento de novas formas de organização laboral que representam uma viragem na forma de fazer sindicalismo em Portugal e na Europa, movimentos estes que acreditamos que se vão intensificar no futuro breve.

De forma muito semelhante ao que acontece com a política, os trabalhadores, ao não se reverem nos sindicatos tradicionais, procuram encontrar outras formas de luta e reivindicação junto de novas organizações (sindicais ou não). Aconteceu em França com os coletes amarelos, aconteceu em Portugal com os enfermeiros e voltou agora a acontecer com os motoristas. É sintomático como que, perante uma greve – não sei se justa -, mas legal, verdadeira, legítima, espontânea, natural, “desorganizada”, que tem origem na revolta sentida pelos próprios trabalhadores e não pelos seus putativos representantes, que gritam “viva a greve livre”, nenhum partido ou sindicato tenha vindo apoiar a luta destes trabalhadores, com reivindicações tão iguais ás dos milhares de trabalhadores que fizeram  centenas de greves, com apoio dos sindicatos e dos partidos de esquerda e ultra-esquerda.

Isto só pode significar que há aversão por parte dos sindicatos tradicionais aos seus congéneres mais recentes, algo que não é saudável. É revelador que só agora, sensivelmente a partir da greve dos enfermeiros, se tenha começado a falar em serviços mínimos, requisições civis, greves selvagens e imorais, formas de financiar greve e até a questionar a sua legitimidade.

Todos os actores, governos, sindicatos e comunicação social, parecem ter sido surpreendidos com esta ultima greve dos motoristas de materiais perigosos. A luta deles tinha já um ano e não tinha chamado a atenção de ninguém. Ignoraram o pre-aviso deles e só acordaram com a falta de combustíveis nos postos de abastecimento. Todos estes actores politicos têm de aprender a valorizar estes conflitos sectoriais de grande impacto. Se se sabe que greve sem mossa não é greve, é dia de folga, e que estas novas associações sindicais estão dispostas a ir até onde as outras não têm audácia, o governo tem de estar preparado a tempo, evitando ignorar os pré-avisos de greve, só porque são feitos por sindicatos que não se sentam à sua mesa de negociações.

Ignorar o descrédito que a esmagadora maioria da população tem nos partidos políticos tem levado, sucessivamente, pelo menos, a mais de 50% de absentismo ás urnas. Outros dizem que conduz ao populismo. Ignorar estes novos movimentos sindicais livres e espontâneos vai conduzir fatalmente ao fim do sindicalismo tradicional.

Estes movimentos têm de ser encarados como o sintoma de um mal maior: a falência do sindicalismo tradicional e a sua incapacidade de dar resposta às legítimas aspirações dos seus filiados. Perante essa incapacidade, é urgente uma reinvenção da luta sindical, tornada verdadeiramente independente, mobilizadora, entusiasmante e inspiradora.

Estes serão alguns dos temas em debate no www.labour2030.eu.

Advogado, especialista em Direito do Trabalho