Avenida Luísa Todi (Setúbal): 1.000$00; Avenida dos Combatentes (Braga): 1.400$00; Rua Ferreira Borges (Coimbra): 1.400$00; Rua de Santa Catarina (Porto): 2.200$00; Avenida dos Aliados (Porto): 2.800$00; Rua do Ouro (Lisboa): 3.200$00; Rua Augusta (Lisboa): 3.500$00; Rossio (Lisboa): 4.000$00.

Há toda uma geração de Portugueses que aprendeu o bê-á-bá do imobiliário à volta do mítico jogo do Monopólio. A lógica era simples: quanto mais se avançava no tabuleiro, maior o valor de cada localização, numa espécie de hierarquia financeira tão coerente com a realidade que tornava quase instintiva a sua interpretação.

Quarenta anos depois, o escudo deu lugar ao euro e os centros históricos de Portugal deram lugar aos centros comerciais e à paixão generalizada pela periferia, num êxodo tão profundo que obrigaria hoje a redefinir por completo as noções económicas do famoso jogo.

O gatilho foi premido pelo grande incêndio do Chiado (1988), que assinou o divórcio dos lisboetas com a Baixa Pombalina (que, em boa verdade, não mais se refez desse trauma) e tudo o que aconteceu desde então é uma perfeita ode ao absurdo: a terceira cidade com mais horas de sol da Europa virou as costas ao consumo a céu aberto e ao comércio local para abraçar grandes superfícies e o consumo massificado. O problema alastrou-se ao resto do país e contaminou cidades como Faro, Coimbra, Porto, arrastadas por esta tendência de desprezo pelo centro histórico, acabando por subtrair ao país aquela que devia ser a sua grande montra e uma das maiores (se não mesmo a maior) arma de divulgação económica.

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Tenho o privilégio de viver e trabalhar na Baixa Pombalina e pude acompanhar o impacto que a pandemia já teve junto do comércio de proximidade na Baixa. É verdadeiramente assustador percorrer a Rua da Prata de ponta a ponta e contar, pelos dedos das mãos, o comércio que irá resistir sob os escombros deste terramoto. Desengane-se quem, querendo encontrar culpado fácil, não resistir à tentação de crucificar o turismo como responsável pelo deserto económico a que está hoje votada a Baixa. É falso. O turismo ainda maquilhou as feridas de um centro histórico desabitado há décadas (de pessoas e de consumo), mas foi naturalmente impotente perante a pandemia que veio determinada a assinar a certidão de óbito do comércio local.

A juntar a isto surge agora a inevitável e progressiva desmaterialização de muitos negócios, de que são exemplos os recentes anúncios do fecho de lojas de rua do grupo Inditex (entre as quais a Zara Home, na Rua do Carmo) ou do encerramento de agências do banco Santander, cujas propostas de valor são facilmente substituídas (e até, porventura, melhoradas) pelo digital.

Mas significa isto que o comércio de proximidade em geral, os centros históricos em particular, estão condenados à insignificância? Evidentemente que não. Só se formos (ou continuarmos a ser) muito pouco inteligentes. Existe toda uma dimensão do retalho físico que o digital jamais ultrapassará. Continuamos a ser humanos e a valorizar a experiência como fator decisivo no processo de consumo. Se no consumo por necessidade exigimos rapidez, eficiência e conforto, no consumo por lazer tornamo-nos vulneráveis a todo um conjunto de estímulos que só a dimensão física consegue proporcionar. É, de resto, por isto que grandes marcas multinacionais não abdicam de espaços físicos em localizações estratégicas, nas quais investem sobretudo na qualidade da experiência.

O valor acrescentado, que já é tempo de ascender ao estatuto de principal prioridade económica do país, encontra no comércio de proximidade um palco privilegiado para se tornar competitivo para lá do velho chavão do preço (por que raio em Portugal se faz sempre equivaler os dois conceitos?!), pois cada loja que exista dentro do dito segmento do consumo por lazer encerra em si um conjunto de características ímpares que permitem contar a história para lá do produto. É isto que torna imperativa a ressurreição dos centros históricos portugueses, potenciais embaixadas daquilo que de bom se faz em todo o país (sobretudo daquilo que se faz longe das grandes cidades).

O tema é discutido há décadas, os especialistas em urbanismo comercial já avançaram conceitos interessantes como o de “centro comercial a céu aberto”, mas o que é facto é que continuamos sem solução para um problema que mancha gravemente a imagem do país e cuja resolução só poderá surgir da boa coligação de esforços públicos e privados (a exemplo do que se fez noutras geografias, como em Inglaterra, em resposta a problemas semelhantes).

É urgente definir uma estratégia nacional para a requalificação económica dos centros históricos, que comprometa associações, empresários, media, autarquias e Governo num plano comum que ajude a “sacudir o pó” do terramoto Covid-19 e lave o rosto das cidades. É fundamental um investimento em limpeza, segurança, cultura (como é possível que o MUDE, em plena rua Augusta, esteja fechado há cinco anos?), mas também um compromisso do tecido económico no sentido de procurar inovar, criar experiências, falar línguas, iluminar e aromatizar convenientemente as lojas, investir em montras, abdicar do conforto dos grandes fornecedores e procurar a exclusividade… Em síntese: ser disruptivos. Todos. Setor público e privado.

Há que olhar para o momento que vivemos com respeito pelo seu dramatismo, mas com a ambição de mudar alguma coisa. Abandonar a vitimização e a constatação da desgraça, substituindo-a pela ambição de criar em Portugal um novo paradigma de comércio de proximidade, que possa até inspirar outros países a seguir-nos o exemplo. Se não o fizermos, seremos a geração que fez o funeral aos centros históricos, sucedendo àquela que os matou.

Com a morte dos centros históricos morrerá uma parcela irrepetível da História do país. A lição económica do Monopólio era válida e pertinente, porque afinal de contas apenas constatava uma realidade que permanecia inalterada há séculos. Compete-nos a todos, cidadãos, economia, poder político e demais forças vivas das cidades, fazer das últimas quatro décadas apenas um parêntese e não uma mudança definitiva da História. Podemos voltar à casa de partida, não para “receber dois contos”, mas para fazer as pazes com o passado.

Tiago Quaresma tem 27 anos e é licenciado em Direito. Profissionalmente é administrador do Grupo Valor do Tempo e Vice-Presidente da Ahresp. É membro dos Global Shapers.

O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa.  O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.