José Silva Lopes, António Saraiva, António Bagão Félix, Costa Pina, Fernando Ulrich. Todos fizeram contas e todos disseram que o dinheiro que foi negociado com a troika para o programa de resgate era “insuficiente”. Alguns pediram, mesmo, uma renegociação e outros previram que o bolo de 78 mil milhões de euros levaria o país a precisar de um segundo resgate. Mas o dinheiro chegou: 66 mil milhões de euros para o Estado e os 12 mil milhões de euros destinados aos bancos, que nem foram totalmente utilizados. Porquê?
Silva Lopes mantém a opinião: “Se tivessemos tido mais dinheiro, o programa podia ter sido mais gradual e não ter criado tanto desemprego e baixa do crescimento. Podíamos ter atingido as metas com menos sacrifícios”. Traduzindo: o dinheiro só chegou porque a austeridade levada a cabo pelo Governo foi mais profunda. E houve o “enorme aumento de impostos”, que tapou pelo lado da receita o que falhou do lado da despesa. Aliás, o Governo acabou por prescindir da última tranche da troika, depois de mais um chumbo do Tribunal Constitucional porque, para isso, teria de apresentar medidas substitutivas a tempo do final de junho.
Não foi o único a defender mais tempo para o ajustamento. Dentro do próprio PSD houve quem o defendesse. A voz que mais o referiu foi Miguel Frasquilho, ainda enquanto deputado, agora presidente da AICEP. Passos Coelho e Vítor Gaspar acabariam por lhes dar razão: foram negociando melhores condições com a troika, quer em termos de taxas de juro, quer de maturidades, e ao negociarem mais dois anos para que o défice fique abaixo dos 3%. Para 2015, a meta é de 2,5%.
Além da negociação, conta ainda, e sobretudo, o facto de Portugal não ter saído completamente dos mercados financeiros. Durante os três anos, o Governo foi fazendo emissões regulares de dívida de curto prazo, protegendo com o dinheiro que recebia da troika. “Houve uma capacidade de gestão por parte desses fundos”, diz ao Observador o politólogo António Costa Pinto. E em parte ela aconteceu porque a intervenção do BCE e o cumprimento do programa – além das mudanças na estrutura europeia – contribuíram para uma redução das taxas de juro dos países intervencionados.
Percalços
No caminho do resgate surgiram vários buracos por tapar. Uns mais esperados do que outros, mas, mesmo assim, não foi preciso pedir mais dinheiro.
Primeiro, o esperado. Nas contas iniciais não entrou o peso do financiamento das empresas públicas. O Governo de José Sócrates negociou o pacote de ajuda externa partindo do princípio que o setor empresarial do Estado conseguia financiar-se nos mercados e que o próprio Estado conseguia emitir dívida a prazos mais curtos. Falhando estes dois princípios, Portugal precisava de, pelo menos, mais 20 a 25 mil milhões de euros.
Quem o disse foi o secretário de Estado do Tesouro do Governo de José Sócrates, Carlos Costa Pina, que poucos meses depois do início do programa de ajustamento, explicava as novas contas. “O valor é manifestamente insuficiente. Pelo menos, existe esse risco. Pode ser necessário negociar a ampliação desse montante com a troika, para os 95 ou 100 mil milhões de euros. Segundo as minhas contas, Portugal precisa de mais 20 ou 25 mil milhões de euros”.
“O valor é manifestamente insuficiente. Pelo menos, existe esse risco. Pode ser necessário negociar a ampliação desse montante com a troika, para os 95 ou 100 mil milhões de euros. Segundo as minhas contas, Portugal precisa de mais 20 ou 25 mil milhões de euros”.
Ao financiamento das empresas do Estado, juntou-se o buraco da Madeira. Ao todo, as contas escondidas da região autónoma valeram cerca de mil milhões a mais no défice público.
Mas mesmo perante os percalços, os 78 mil milhões de euros foram suficientes. Mas não sem consequências. “Não podemos ter a dívida pública a crescer. É preciso maior enfoque no crescimento económico e menos na austeridade, mas vamos ter de continuar a ter mais austeridade. Não sabemos como vamos conseguir mais crescimento”, afirma José Silva Lopes.
Sentença dada. O dinheiro chegou para as necessidades de financiamento, ajudado pelo aumento da receita com impostos. Os próximos anos não prometem para já um alívio.
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