Diálogo, entendimento, consenso. Três palavras que, desde a mensagem de ano novo de 2013, se têm tornado cada vez mais frequentes nos discursos do Presidente da República, especialmente quando o tema é a relação entre os partidos do arco do poder e a oposição. O discurso que Cavaco Silva fez esta terça-feira, por ocasião da cerimónia do 10 de junho, não foi excepção. Cavaco pediu aos partidos políticos um entendimento até outubro, aquando da discussão do Orçamento do Estado para o próximo ano, que se centre num compromisso sobre a dívida e sobre as reformas para o crescimento económico. Até porque, frisou, ainda há “decisões difíceis” a tomar e é preciso evitar o regresso a uma “situação explosiva”.
“Os desafios que temos diante de nós, de todos nós, só podem ser vencidos através de uma cultura de compromisso. Adiar por mais tempo um entendimento partidário de médio prazo sobre uma trajetória de sustentabilidade da dívida pública e sobre as reformas indispensáveis ao reforço da competitividade da economia é um risco pelo qual os Portugueses poderão vir a pagar um preço muito elevado”.
Para o chefe de Estado, o entendimento partidário é necessário já que os partidos devem ser capazes de “ultrapassar as divergências do tempo curto dos cilos políticos e eleitorais e compreendam que Portugal enfrenta desafios que nos remetem para um tempo longo, para um horizonte alargado que ultrapassa os mandatos dos governantes”.
Na mensagem de ano novo, em 2013, Cavaco Silva pediu, pela primeira vez, um consenso entre os partidos políticos, considerando que “os agentes políticos e sociais têm de atuar com grande sentido de responsabilidade”, tendo em conta a “resolução dos problemas nacionais”.
“A resolução dos problemas nacionais pressupõe diálogo e consenso, entendimentos feitos a pensar nos Portugueses e no País como um todo. (…) O País não está em condições de se permitir juntar uma grave crise política à crise económica, financeira e social em que está mergulhado. Iríamos regredir para uma situação mais penosa do que aquela em que nos encontramos. Devemos, pois, trabalhar em conjunto e unir esforços para encontrar as soluções que melhor sirvam o povo português”.
O apelo ao consenso foi reiterado no discurso realizado por ocasião do 25 de abril mas, desta vez, o tom mudou e Cavaco Silva deixou um aviso: que, “de uma vez por todas”, seja posta de parte a conflitualidade partidária para que não se comprometa “o futuro das novas gerações”.
“É essencial que, de uma vez por todas, se compreenda que a conflitualidade permanente e a ausência de consensos irão penalizar os próprios agentes políticos mas, acima de tudo, irão afetar gravemente o interesse nacional, agravando a situação dos que não têm emprego ou dos que foram lesados nos seus rendimentos, e comprometendo, por muitos e muitos anos, o futuro das novas gerações”.
A 2 de julho Paulo Portas apresentou a sua demissão “irrevogável” do cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros, abrindo portas a uma crise política sem precedentes nesta legislatura. Oito dias depois, no dia 10, Cavaco Silva falou ao país e propôs um Governo de salvação nacional que agregasse PSD, PS e CDS. Para Cavaco Silva, o compromisso de salvação nacional seria “o caminho que deveremos percorrer em conjunto”, um caminho ao qual se mostrou disponível para dar todo o seu “firme apoio”.
“No contexto das restrições de financiamento que enfrentamos, a recente crise política mostrou, à vista de todos, que o País necessita urgentemente de um acordo de médio prazo entre os partidos que subscreveram o Memorando de Entendimento com a União Europeia e com o Fundo Monetário Internacional, PSD, PS e CDS. (…) O Presidente da República não pode impô-lo aos partidos, até porque um acordo desta natureza e deste alcance só terá consistência e solidez se contar com a adesão voluntária, firme e responsável das forças políticas envolvidas. Terão de ser os partidos a chegar a um entendimento e a concluir que esta é a solução que melhor serve o interesse dos Portugueses, agora e no futuro”.
A 27 de julho, depois de o acordo de salvação nacional ter caído por terra, o chefe de Estado dirigiu-se novamente aos portugueses para lamentar que, “após seis dias de trabalho conjunto, os três partidos não tenham conseguido alcançar o entendimento desejado”. Apesar de considerar que a solução que propôs era a que “indubitavelmente” melhor servia o interesse nacional, o Presidente da República congratulou-se com os esforços que os partidos levaram a cabo em prol do diálogo e do interesse nacional.
“Congratulo-me pelo facto de os dirigentes dos partidos da maioria e os dirigentes do maior partido da oposição terem dado provas, perante os Portugueses, de que é importante dialogar e alcançar consensos, tal como foi sublinhado pelos agentes económicos e pelos parceiros sociais. Não se alcançou a solução ideal, mas todos reconheceram a importância de uma cultura política de compromisso. Estou certo de que foram lançadas sementes, e que essas sementes irão frutificar no futuro. Mais cedo ou mais tarde, um compromisso interpartidário alargado será imposto pela evolução da realidade política, económica e social do País, tal como se verifica na generalidade dos países europeus de média dimensão”.
Na sua mensagem de ano novo, em 2014, Cavaco Silva voltou à questão do compromisso de salvação nacional. O chefe de Estado estava “firmemente convicto” de que o crescimento económico do país e as condições de vida dos portugueses no período pós-troika “beneficiariam de forma decisiva se fosse estabelecido um compromisso político de médio prazo em torno de grandes objetivos nacionais e de políticas públicas essenciais ao nosso futuro coletivo”. Cavaco aproveitou ainda para deixar um recado claro aos partidos políticos:
“Trata-se de um desígnio que vai muito para lá de cálculos eleitorais ou de estratégias partidárias. A questão é nacional, não é partidária. Exige-se a todas as forças políticas, sem exceção, que compreendam de uma vez por todas: o que está em causa é o futuro de Portugal, o futuro das novas gerações. Portugal é um dos países europeus onde o diálogo e o consenso entre os partidos políticos têm sido mais difíceis, quando deveria ocorrer precisamente o contrário”.
Um recado que tornou a repetir aquando da sua intervenção na celebração do 40.º aniversário do 25 de abril.
“Sempre que estivemos unidos, estivemos mais próximos dos ideais de abril. Não é por acaso que o espírito de compromisso e de entendimento entre as diferentes forças políticas está na base das regras do sistema democrático consagradas na nossa Constituição. Não se trata de confundir a abertura ao compromisso com uma unanimidade de pontos de vista, nem com uma neutralização da dinâmica de alternância que é própria das democracias. Por isso mesmo, é difícil compreender que numa democracia consolidada agentes políticos responsáveis não consigam alcançar entendimentos sobre questões essenciais para o nosso futuro coletivo. Temos de acreditar que os obstáculos acabarão por ser ultrapassados”.