O mundo abandonou os refugiados sírios. A acusação é da Amnistia Internacional, que, em vésperas de uma conferência da ONU sobre a situação síria, elaborou um novo relatório sobre o estado dos mais de 10 milhões de sírios que, desde novembro de 2011, já foram forçados a abandonar as suas casas em consequência da guerra civil. E o cenário não é positivo.
“O apoio da comunidade internacional é muito menor do que o necessário”, lê-se no documento, que refere que “um dos pontos mais urgentes é o realojamento dos refugiados”, mas, neste campo, a grande maioria dos países mundiais não tem feito o suficiente. “O número de locais de realojamento oferecidos é vergonhosamente baixo”, acusa a Amnistia Internacional.
“Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, o número de pessoas forçadas a sair das suas casas ultrapassou os 50 milhões. Um em cada cinco refugiados é sírio”, sublinha o relatório, que não hesita em classificar a crise da Síria como a “pior de uma geração”.
Dos cerca de 10 milhões de refugiados sírios, 6,5 milhões viram-se obrigados a sair de suas casas mas mantiveram-se em território nacional, enquanto quatro milhões procuraram noutros países a segurança que lhes faltava na Síria. E a esmagadora maioria desses refugiados está concentrada em apenas cinco países, todos vizinhos: Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egito. O objetivo da Amnistia Internacional é que, até ao fim de 2016, 10% dos refugiados que estão nestes países tenham uma solução de realojamento efetiva.
No Líbano, por exemplo, o número de refugiados da Síria já representa mais de 25% do total da população do país. Essa concentração leva a Amnistia Internacional a pedir urgência numa resposta mais efetiva de outros países, nomeadamente dos que compõem o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), que inclui o Bahrain, o Kuwait, o Qatar, Omã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Em três anos, nenhum destes países colocou qualquer local de realojamento à disposição de refugiados da Síria, situação que a organização apelida de “chocante”.
“Já não é razoável que os países vizinhos da Síria continuem a providenciar refúgio àqueles que fogem à guerra sem uma cooperação e assistência internacionais substancialmente aumentadas”, afirma o relatório.
“A falta de generosidade é chocante”
Se os países do Golfo não ficam bem na fotografia, os grandes da Europa também não. Juntos, Reino Unido, França, Polónia, Itália e Espanha – os maiores países da União Europeia (UE), se excluirmos a Alemanha – apenas têm disponíveis dois mil locais de realojamento, uma situação que para Teresa Pina, diretora executiva da Amnistia Internacional em Portugal, só merece um comentário: “Chocante”.
“Nada disto faz sentido. Estes cinco grandes países da UE têm tido uma resposta chocante, desconcertante. A falta de generosidade é chocante”, repete.
Dentro do espaço europeu, a Suécia e a Alemanha estão na linha da frente da receção de refugiados sírios. Desde novembro de 2011, a Suécia recebeu 50.235 pedidos de asilo e disponibilizou 1.200 locais de realojamento. Já a Alemanha pôs 30 mil destes locais à disposição, tendo recebido 46.265 pedidos de asilo.
No último ano, Portugal recebeu 15 pedidos de asilo humanitário e tem 23 locais de realojamento disponíveis, bem como um conjunto de 70 bolsas universitárias. “Em comparação com os cinco maiores países da UE, [a resposta portuguesa] é equilibrada”, comenta Teresa Pina, para quem este relatório é, acima de tudo, “uma forma de pressão” à comunidade internacional para que ponha fim a uma “situação insustentável”.
A insustentabilidade da situação agravou-se, aliás, recentemente, com o aparecimento do autodenominado Estado Islâmico.
“O número total de sírios que chegou – e pediu asilo – aos 28 Estados-membros da União Europeia em três anos era, até ao fim de outubro, de aproximadamente 150 mil – mais ou menos o mesmo número de pessoas que chegaram à Turquia em fuga do avanço do Estado Islâmico a Kobane, no espaço de uma semana de setembro de 2014”, lê-se.
É por isso que, diz Teresa Pina, é “urgente” que o objetivo de realojar 10% de refugiados até 2016 seja cumprido. “Não se compreende que estas pessoas estejam entregues a si próprias”, resume.