Ao quinto pedido, a mesma decisão: o habeas corpus interposto pela defesa de José Sócrates foi recusado esta segunda-feira pela Supremo Tribunal de Justiça. O juiz relator Santos Cabral e o juiz adjunto Oliveira Mendes consideraram que “sem embargo da relevância das questões suscitadas e da sua importância processual”, estas não podem ser fundamento de um pedido de libertação imediata por prisão ilegal. Oliveira Mendes, por seu turno, acrescentou um esclarecimento. Segundo a lei, há dois pressupostos que devem verificar-se para a investigação ser instruída por um tribunal superior: o suspeito em causa ser primeiro-ministro e os crimes de que é indiciado terem sido praticados no exercício das funções. Sócrates já não era, nem é, primeiro-ministro.

A audição no Supremo Tribunal de Justiça decorreu esta manhã de segunda-feira e a decisão foi conhecida pelas 15h00. São 55 páginas de fundamentação da decisão do pedido de habeas corpus interposto pela defesa de Sócrates há uma semana, na última segunda-feira.

A defesa alega que a investigação ao primeiro-ministro devia ter sido instruída pelo Supremo Tribunal de Justiça, por se tratar de um governante. E pedia que Sócrates fosse libertado e apresentado a um juiz do Supremo. Mais. O pedido de habeas corpus era ainda fundamentado pelo facto de, no último dia previsto para o reexame dos pressupostos da medida de coação, o juiz Carlos Alexandre ter feito um despacho a dar dez dias à defesa para se pronunciar sobre os factos novos. E não ter reavaliado a prisão preventiva baseando-se nos devidos pressupostos, como o perigo de fuga ou o de perturbação do inquérito.

Na decisão do Supremo Tribunal de Justiça afirma-se que, de facto, a questão da incompetência do Tribunal Central de Instrução Criminal e da competência do Supremo como fundamento de um pedido de habeas corpus “não se apresenta com linearidade”. No entanto, os juízes lembram que, a ser declarada a incompetência, o processo não seria considerado nulo. Caberia, quanto muito, ao Supremo repetir os atos necessários e confirmar outros, como o caso da prisão preventiva. E a medida de coação “não perderia a sua eficácia” durante esta revalidação.

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“Não se é julgado no tribunal superior em virtude da pessoa que é mas em virtude da função que se serve no Estado”, lê-se no acórdão do Supremo, assinado pelo juiz relator Santos Cabral e pelo adjunto Oliveira Mendes.

Uma explicação que o juiz adjunto Oliveira Mendes teve necessidade de simplificar numa declaração anexa ao acórdão. O magistrado diz que o Código do Processo Penal é claro: compete ao Supremo julgar o Presidente da República, o presidente da Assembleia e o primeiro-ministro em crimes praticados no exercício das suas funções. Sócrates já não é primeiro-ministro, “logo é indiscutível” que esta norma lhe seja aplicada.

Quanto à reapreciação dos pressupostos da medida de coação, o Supremo assume que poderá haver “uma irregularidade“, por esta não ter sido feita dentro do prazo. No entanto, conclui, o habeas corpus “não é o meio adequado para impugnar decisões processuais ou arguir nulidades e irregularidades”. Assim, o argumento não pode servir de fundamento da “presente providência”.

Advogado de Sócrates tece mais acusações ao Ministério Público

Durante a audiência que começou pelas 12h00, o advogado de José Sócrates acusou o procurador Rosário Teixeira de ter mandado parar a resposta à carta rogatória que enviou às autoridades suíças. João Araújo disse que Sócrates já estava a ser investigado ainda antes de 2013. E acusou o procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal de ter mandado “parar os cavalos” à procuradoria suíça em novembro de 2013 – pedindo que a resposta fosse só enviada em dezembro de 2014.

“Isto arrepia!”, disse João Araújo, que afirma que os factos enviados para a Suíça para pedir informações sobre as suas contas bancárias já integravam os pressupostos dos crimes de que José Sócrates é indiciado. Durante a sua intervenção, o advogado disse que “o início do processo é das coisas mais arbitrárias”, lembrando que “ninguém em Portugal foi tão investigado”.

Foi na Operação Furacão, no processo Face Oculta, no Monte Branco e achar que esta investigação começou só em julho de 2013 não é verdade”, disse João Araújo.

A defesa de Sócrates disse que na carta rogatória já constavam vários elementos da investigação, levando a crer que esta já tinha começado há muito mais tempo. João Araújo respondia aos argumentos do procurador-adjunto Paulo Sousa. Isto porque o magistrado do Ministério Público considera que o Tribunal Central de Instrução Criminal é competente para instruir os atos investigatórios a um ex-primeiro ministro. Justificação: a investigação decorre quando ele já não era primeiro-ministro, mesmo que os crimes tenham ocorrido enquanto o era. E lembrou um acórdão de 2003 relativamente ao julgamento de juiz aposentado – que considerou que o tribunal da comarca era o competente para julgar porque o magistrado já não se encontrava em exercício de funções.

“Tendo perdido a qualidade de primeiro-ministro, não se compreende que seja o Supremo a pronunciar-se sobre os atos instrutórios”, disse o procurador-adjunto Paulo Sousa.

Paulo Sousa, que já tinha representado o Ministério Público no âmbito de um outro pedido de libertação imediata de Sócrates, dissertou sobre a figura do habeas corpus. João Araújo corrigiu-o depois, para lembrar que esta figura tinha aparecido 400 anos antes do que dissera, com a Magna Carta de 1215. O procurador encaixou.

Quanto ao reexame das medidas de coação, um outro argumento que a defesa de Sócrates utiliza para considerar que Sócrates está preso ilegalmente, o Ministério Público lembrou que o juiz de instrução deve pronunciar-se sempre sobre os factos que, em primeiro interrogatório, levaram à aplicação da medida de coação. E nunca sobre factos novos. Recorde-se que João Araújo acusa o juiz de instrução, Carlos Alexandre, de o notificar com um despacho “ambíguo”, onde pede à defesa que se pronuncie sobre factos novos no processo e que, até lá, mantém Sócrates em prisão preventiva. “O juiz não se baseia em pressupostos como o perigo de fuga ou a perturbação do inquérito”, acusa a defesa.

“Terá razão o peticionário em argumentar isso, mas esta não é a sede própria”, diz, por seu turno, o Ministério Público. Lembrando que os fundamentos do juiz de instrução se basearam no perigo de perturbação do inquérito.