O escritor moçambicano Mia Couto defende que, quarenta anos depois da independência, Moçambique vive uma “colonização mental”, considerando urgentes e necessárias ideias que respeitam a realidade e a diversidade cultural do país,

“Nós ainda somos muito colonizados mentalmente e olhamos para a Europa como ponto de referência. Estamos sempre a pensar no nosso comportamento em função do outro”, disse em entrevista à Lusa Mia Couto, por ocasião das comemorações dos 40 anos da independência do país.

De acordo com escritor moçambicano, são frequentes em Moçambique discursos de emancipação económica e política, mas, na verdade, os moçambicanos ainda precisam libertar-se dentro do seu próprio pensamento.

“Fala-se muito na emancipação, na libertação económica e política, mas o que é realmente urgente e necessário é criarmos um pensamento que seja fundado na realidade moçambicana, que é diversa”, declarou Mia Couto.

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No início dos anos 70, Mia Couto juntou-se à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), com o ideal da libertação colonial e da construção de uma nação moçambicana, mas depois afastou-se do partido.

Para Mia Couto, a Frelimo, no poder há quarenta anos, perdeu alguns valores e o modelo atual do partido distancia-se do “sentido de militância” que caracterizou a luta de libertação nacional moçambicana.

“Para falar a verdade, não sei qual é o ideal atual da Frelimo. Na altura, havia um sentido de militância, dever e, principalmente, um sacrifício que estava muito longe da revindicação dos privilégios que hoje os dirigentes do partido têm”, afirmou Mia Couto, alertando para a proliferação de um discurso “vago” de combate à pobreza, comum em todos governos.

Para escritor e ex-jornalista, a política “usurpou” a vida social moçambicana, impossibilitando o desenvolvimento do país através de outras áreas de forte potencial, dando o exemplo da cultura e das artes.

“A política usurpou todos os territórios e criou-se uma espécie de norma, uma narrativa ideológica e hegemónica. Você lê o jornal e percebe que 95% é feito por política”, defendeu o escritor, referindo-se à forma “preguiçosa” com que os jornalistas moçambicanos abordam os temas políticos e destacando a necessidade de o país explorar outras áreas.

Ao considerar que o país sofre com a ausência de um elemento regulador da vida social, Mia Couto sustenta que há falta de Estado em Moçambique e que as comunidades das zonas mais recônditas não têm confiança nas autoridades moçambicanas.

“Há falta de Estado, há falta de uma instituição que seja respeitada e não seja só uma instituição intimidatória. Até recentemente, do ponto de vista histórico, Moçambique era dominado por sociedades sem Estado e muitas das comunidades rurais estão a aprender a conviver com uma coisa que é vaga e um pouco abstrata”, afirmou.

As quatro décadas de independência, assinaladas a 25 de junho, chegam com a memória de uma guerra civil de 16 anos, de uma crise militar entre 2012 e 2014 com os mesmos protagonistas e ainda a ameaça de nova instabilidade, quando a Renamo, principal partido de oposição, se recusou a aceitar os resultados das últimas eleições, propondo-se governar nas seis províncias em que reclamava vitória eleitoral.

De acordo com Mia Couto, a ideia da divisão do Estado é “criminosa” e constitui a primeira ameaça à estabilidade do país.

“Será que dentro de um ano seremos ainda um único Moçambique?”, questionou o escritor, argumentando que , enquanto existir um partido armado, a paz estará sempre ameaçada e que Moçambique “chega muito tarde a uma cultura de diálogo e de abertura”, na qual a existência de “outro partido político e outra opinião não é um inimigo”.

“Nós ficámos muito tempo cativos de uma guerra e essa guerra não terminou totalmente. Quem fez a guerra continua armado e aceitou-se uma situação estranha e inaceitável, que é a ideia de uma força política com um braço armado”, afirmou, concluindo que o país “merecia uma governação melhor e também uma oposição melhor”.