Vinha gente de todo o lado para andar nas escadas rolantes, comer hambúrgueres como nos filmes americanos, deslizar carrinhos de supermercado aos domingos à tarde sob aquela luz fria, envolto numa temperatura ambiente agradável e invariável. Era como entrar num palácio que só fechava à meia-noite e abria aos fins de semana. Dois andares de lojas hiper-modernas, restaurantes, supermercado, correios, bancos e até uma capela… para que os mais religiosos se redimissem do pecado do consumo.
Já não se vinha a Lisboa ver os Jerónimos nem a Torre de Belém. A partir de 27 de setembro de 1985, vinha-se a Lisboa para ver as três torres de Tomás Taveira, sob as quais nasceu o maior centro comercial do país e o quarto maior da Europa. Com ele nascia também um novo Portugal, moderno, cosmopolita. Os amanhãs cantantes da revolução de abril renasciam, dez anos depois. Afinal eram feitos de vidro espelhado, cores garridas, lojas de marcas internacionais e supermercados abertos ao domingo.
O centro comercial das Amoreiras representava um novo conceito de consumo designado “comércio integrado”. A premissa era a agregação de múltiplos tipos de comércio e serviços num mesmo espaço que funcionaria como uma pequena cidade sob um complexo de habitação e escritórios. Tomás Taveira pontificava com a sua arquitetura pós-modernista e desenhava três torres que simbolizavam uma dama a ser defendida por dois cavaleiros.
Nos anos seguintes muito se haveria de escrever sobre Taveira e o seu megalómano e arrojado projeto que ganhou o prémio de arquitetura Valmor 1993.
Pensado para atrair um público de classe média-alta, o Amoreiras foi o espaço escolhido para a estreia em Portugal de marcas como a Hugo Boss e a Guess. Abriu apenas um ano antes de Portugal entrar para a então CEE e durante a década de 90 continuou a ser o lugar mais trendy do país, até porque o Chiado tinha ardido e os pequenos centros comerciais de bairro, como o Imaviz ou o centro Comercial de Alvalade, não tinham dimensão para competir com aquelas torres a comandarem a sky line da capital.
Durante estes anos, o Amoreiras era o cenário escolhido para aparecerem as figuras públicas e para se fazerem diretos televisivos. Quem viveu nos anos 90 passou de certeza pelas lojas de culto que foram as Amarras, a Tafetá, a Strauss, a Labrador, a El Charro, a Triudus, a Charlot, a Materna, a Sempre em Festa, a Cenoura, a Bodum, a Yellow Cab, a Patanisca… Espaços de culto, lojas que marcaram o estilo dos lisboetas no final dos anos 80, início dos 90.
Em setembro de 1997 abria finalmente o grande concorrente — o Centro Comercial Colombo — e o país mergulhava na vertigem da Expo 98. Essa novidade, bem como a reabilitação do Chiado, fizeram com que o Amoreiras quisesse reforçar a sua identidade de coração alfacinha da cidade. Mas o ponto alto do trendy já não era ali e até as histórias do seu arquiteto se tornaram uma coisa de arquivo.
30 anos depois, o céu é o limite
Hoje o Amoreiras tornou-se um dos mais antigos centros comerciais em Portugal. As janelas a espelharem o céu e as escadas rolantes já não são novidade. Nestes 30 anos Portugal nasceu e morreu para uma existência de país rico.
Como explicou ao Observador o engenheiro Nelson Leite, diretor geral do Amoreiras, ao longo destes 30 anos muita coisa foi modificada e reestruturada, e para o futuro próximo foram investidos 2,5 milhões de euros, entre a renovação da zona de alimentação e a decoração. Há hoje menos lojas mas todas elas muito maiores, novos projetos como os quiosques para tratamentos de beleza, as livrarias, as lojas de desporto, a sala de cinema francês. Nestas três décadas passadas Nelson Leite recusa que o Amoreiras tenha tido momentos “baixos” e prefere defender que o espaço “se consolidou com um núcleo de clientes habituais que fizeram dali o seu espaço de consumo de eleição”, independentemente de todos os espaços comerciais que entretanto nasceram em Lisboa.
Com uma taxa de ocupação de 100%, o centro continua a ter como público a classe média-alta (sobretudo feminina) e o espaço continua a ser o eleito para as flagship stores de marcas internacionais como a Hugo Boss e a BCBG.
A provar que a idade dá experiência e não inércia, o centro comercial resolveu abrir-se mais à luz de Lisboa. Começou a fazê-lo no recente food court, uma zona de alimentação que agora tem janelas para o exterior, design retro, 18 novos restaurantes e uma zona de eventos a ser dinamizada pelos Gin Lovers.
Como o céu é o limite, o Amoreiras vai abrir ao público o terraço da torre 1, que será assim o segundo miradouro mais alto da cidade. Os vidros espelhados dão lugar ao céu aberto, agora que são os turistas os principais consumidores deste espaço comercial.
A abertura do terraço deve acontecer lá mais para o final do ano e está a ser preparado um elevador destinado a oferecer uma vista de 360 graus sobre a cidade. Trinta anos depois, quer-se chegar ao céu.