O líder de um dos mais importantes clãs mafiosos de Roma morre. A Igreja Católica aceita realizar o funeral e milhares de pessoas acorrem à casa de Deus para homenagear o criminoso. O caixão é transportado pelas ruas da capital italiana por uma elegante carruagem, puxada por cavalos pretos. Há uma banda filarmónica que abre o caminho e toca músicas da banda sonora do filme “O Padrinho”. Dos céus, um helicóptero deixa cair pétalas de rosas. Pode parecer ficção tirada de uma tragicomédia cinematográfica, mas aconteceu mesmo em Roma. E está a causar embaraço ao país.
O insólito aconteceu na quinta-feira e o trânsito chegou a estar cortado na Via Tuscolana, uma das maiores estradas da capital italiana, por causa do cortejo fúnebre do mafioso. O caixão com o corpo de Vittorio Casamonica, que morreu aos 65 anos, foi transportado em braços até à igreja Dom Bosco, que fica a 1500 metros dos históricos estúdios cinematográficos da Cinecittà. Mas as cenas que se seguem estão longe de ser ficção:
À porta da igreja estava colado um poster com a cara de Vittorio Casamonica. Por baixo do rosto associado ao tráfico de droga, à fraude e à extorsão podia ler-se: “Re di Roma” (rei de Roma). Depois da cerimónia, o caixão seguiu num luxuoso Rolls Royce. Aí, de acordo com o La Repubblica, a banda filarmónica começou a tocar a banda sonora de outro filme, este sem qualquer ligação a tramas mafiosas: “2001: Odisseia no Espaço”, obra-prima de Stanley Kubrick.
Esta sexta-feira, a família voltou à igreja para reagir às críticas. “O nosso tio não era um boss [líder de um clã mafioso]”, disse uma familiar. E negou que os custos avultados do funeral tenham sido pagos com dinheiro sujo. “Metemos 50 euros cada um e eramos 2.500”.
A demonstração de poder da máfia em plena capital italiana não caiu bem. De acordo com o The Guardian, o presidente da Câmara de Roma, Ignazio Marino, já chamou o responsável da polícia para saber como é que tal cena pôde acontecer numa das principais capitais da Europa. “Não é tolerável que os funerais sejam usados pelos vivos para mandar mensagens mafiosas”, disse. Rosy Bindi, presidente da comissão parlamentar anti-máfia, disse que este “espetáculo de ostentação do poder mafioso” era a prova de que a máfia estava firmemente infiltrada em Roma.
A igreja também não sai bem na fotografia. Em 2006, o mesmo local de culto religioso negou-se a realizar o funeral de Piergiorgio Welby por este “ir contra a doutrina católica”, de acordo com declarações do vigário de Roma na altura. Motivo: o italiano sofria de distrofia muscular e era um ativista pelo direito à eutanásia. A página de Facebook da paróquia está a ser invadida por comentários que criticam a cerimónia.
As consequências já vão além das críticas. O piloto do helicóptero, por exemplo, ficou sem a licença. De acordo com o La Repubblica, o homem, que já foi piloto da maior companhia aérea do país, a Alitalia, fez um desvio de percurso não autorizado para poder sobrevoar o funeral. Também para lançar as pétalas era necessária uma autorização que não foi pedida.