Qual a diferença entre um debate político sobre emprego ou finanças e um debate político sobre minorias sexuais e de género? A resposta desilude, ou nem por isso: nenhuma.
Sete candidatos a deputados discutiram esta terça-feira à noite na Fundação José Saramago, em Lisboa, a “luta contra a discriminação” das pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgénero (LGBT) – tema proposto pela associação ILGA Portugal, que organizou o debate.
O figurino foi o que se conhece. Bloco ataca PS. PS lança-se contra PSD-CDS. Coligação PSD-CDS finge-se de morta. Livre procura contradições no discurso da CDU.
A discussão foi morna e sem brilho, mas nem por isso isenta de novidades, com Isabel Moreira a dizer que o PS quer voltar à adoção e co-adoção por casais do mesmo sexo e Francisco Guerreiro, do Pessoas-Animais-Natureza (PAN), a anunciar que a “causa LGBT” é prioritária para o partido.
Júlia Mendes Pereira encontrou na questão transgénero e intersexual um fator de diferenciação. A número oito da lista do Bloco de Esquerda (BE) pelo círculo eleitoral de Setúbal, primeira pessoa transgénero a candidatar-se ao cargo em Portugal, garantiu que o Bloco “é o único partido” que faz a diferença entre identidade de género e orientação sexual, referindo-se às pessoas transgénero e aos homo e bissexuais, respectivamente.
Isabel Moreira, 17ª da lista do PS por Lisboa, discordou, lembrando que o programa eleitoral socialista inclui propostas para “melhorar” a chamada Lei da Identidade de Género, de 2011, que já hoje permite aos transgénero a mudança de nome no registo civil sem necessidade de se submeterem a cirurgias genitais.
O que o programa do PS não diz é se o partido quer que a transexualidade deixe de ser considerada uma doença, como defende o Parlamento Europeu e o comissário dos Direitos Humanos do Conselho da Europa. Isabel Moreira disse que sim, que quer lutar, como deputada, pelo “fim da patologização da transexualidade”. O mesmo sustenta Júlia Mendes Pereira, que está em lugar não elegível (o Bloco nunca conseguiu mais que dois deputados por Setúbal).
A bloquista, que falou como uma parlamentar experimentada, introduziu ainda o tema das pessoas intersexuais (por vezes denominadas hermafroditas ou intersexo). “Não existe qualquer legislação nesta área, estamos a estudar o tema com pessoas intersexo, elas próprias”, declarou.
Em resposta, Isabel Moreira tinha na manga uma proposta que apresentou com subtileza. “É urgente aprovar o projeto já apresentado na última legislatura”, disse, em referência à proposta de co-adoção por cônjuges do mesmo sexo chumbada na especialidade, por escassos votos, em março de 2014. “Será imediatamente apresentado quando o PS ganhar as eleições”, garantiu a socialista, que poucas vezes usou a palavra co-adoção.
O termo não aparece, de resto, no programa do PS, o que pode indicar a vontade de apresentar um pacote legislativo que contemple de uma só vez a adoção, co-adoção e apadrinhamento civil por homossexuais casados.
Joana Barata Lopes, 18ª da lista da coligação Portugal à Frente (PàF) por Lisboa não fez mais que defender-se dos ataques, vindos sobretudo de Isabel Moreira, que criticou duramente o chumbo da co-adoção pela maioria. “Represento dois partidos, um deles tem uma lógica de liberdade de voto nestas matérias, outro nem tanto”, explicou Joana Barata Lopes. “Por essa razão, o nosso programa eleitoral não foca diretamente as questões LGBT”, acrescentou, sem nunca sair do registo justificativo.
Francisco Madeira Lopes, 21º da CDU por Lisboa, considerou “gravíssimo e ridículo” o anúncio feito pelo ministério da Saúde de que vai rever em outubro as regras que hoje proíbem os homens gay e bissexuais de darem sangue, por existir entre estes um maior número de novos casos de HIV/Sida. A medida anunciada há poucas semanas prevê a dádiva após períodos de seis ou 12 meses de abstinência sexual. “Fiquei chocado quando ouvi, pensava que a ideia de que a sida é uma coisa de homossexuais era um mito morto”, enfatizou o candidato.
A única surpresa da noite parece ter sido Francisco Guerreiro, segundo da lista do PAN por Lisboa. “A causa LGBT é também a nossa causa”, revelou. “É indiferente se é uma causa de esquerda, direita, centro ou de trás.” Em registo íntimo, o candidato disse apoiar a adoção de crianças por casais gay: “Sou adotado, teria sido um gosto crescer com pais do mesmo sexo, desde que tivesse sido criado com o mesmo amor e o mesmo carinho que tive dos meus pais de sexo diferente.”
Francisco Guerreiro disse ainda apoiar a introdução da identidade de género (transexuais e transgénero) no artigo 13º da Constituição, o qual define as categorias em função das quais os cidadãos não podem ser beneficiados ou prejudicados. “Essa inclusão abre as portas ao estatuto jurídico do animal, para deixar de ser objectificado e passe a ser tratado como um ser com direitos”, afirmou.
Houve ainda mais dois convidados. Duarte Alves, da CDU, afirmou que os comunistas estão “contra a discriminação relacionada com a orientação sexual” e não se comprometeu com mais nenhuma questão LGBT. Rita Paulos, do Livre/Tempo de Avançar, notou por várias vezes as alegadas insuficiências da CDU nesta matéria. Informou que o programa eleitoral do Livre só será aprovado no próximo sábado, dia 12, mas garantiu que o partido vai apostar na Procriação Medicamente Assistida, na adoção e na defesa das pessoas transgénero.
Com duas bandeiras do arco-íris a decorar estantes de livros, o debate juntou seis dezenas de pessoas, a maioria das quais jovens, o que demonstra a implantação da ILGA junto da juventude urbana. Foi transmitido na internet, através do You Tube, e teve moderação de Marta Ramos, coordenadora de projetos da ILGA.