O documento foi entregue a António Costa a minutos de o líder socialista entrar na Presidência da República, onde iria ser recebido por Cavaco Silva. Tem um nome com 20 palavras – ‘Documento facilitador de um compromisso entre a Coligação Portugal à Frente e o Partido Socialista para a governabilidade de Portugal’ – e o conteúdo bate certo no número: “São mais de 20 propostas”, confirma uma fonte da coligação ao Observador. O objetivo, porém, não é fechar a conversa – antes iniciar um diálogo com o PS. No final do documento, aliás, isso fica bem vincado – a coligação fica “disponível” para recolher qualquer outra questão que o PS queira discutir, acrescenta uma outra fonte dos dois partidos.

A ordem de Passos e Portas foi, assim, não dar pretextos aos socialistas para fecharem portas ao diálogo. “As mais de 20 propostas são retiradas do programa eleitoral do PS”, nomeadamente “das quatro áreas prioritárias” que António Costa fez aprovar na reunião da comissão política do seu partido na terça-feira – e que PSD e CDS vêem agora como “complementares ao programa da coligação”. Que áreas são essas? As seguintes:

  • “O virar de página na política de austeridade e na estratégia de empobrecimento, consagrando um novo modelo de desenvolvimento e uma nova estratégia de consolidação das contas públicas assente no crescimento e no emprego, no aumento do rendimento das famílias e na criação de condições para o investimento das empresas”;
  • “A defesa do Estado Social e dos serviços públicos, na segurança social, na educação e na saúde, para um combate sério à pobreza e às desigualdades”;
  • “Relançar o investimento na Ciência, na Inovação, na Educação, na Formação e na Cultura, devolvendo ao país uma visão de futuro na economia global do século XXI”;
  • “O respeito pelos compromissos europeus e internacionais, para a defesa dos interesses de Portugal e da economia portuguesa na União Europeia, para uma política reforçada de convergência e coesão.”

Na coligação, há quem admita que se entrou num território de risco. Nesta fase não dá para estar em campanha e ser responsável ao mesmo tempo, explica um dos que estiveram a acompanhar o processo de reflexão interna. E a admissão de que há “mais de 20” propostas do programa do PS que se dão por viáveis abre uma frente de batalha aos socialistas – “vão dizer que aquilo que considerávamos radical era, afinal, compatível” com as ideias da direita.

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E não foi preciso muito tempo para que a crítica viesse, pelo Facebook de João Galamba (ainda antes da proposta chegar e só se referindo a uma notícia sobre potenciais cedências da direita): “PSD e CDS acusavam PS de ter um programa irresponsável e demagógico, que dava tudo a todos. A desorientação de PSD e CDS é tanta que parecem ter mudado radicalmente de opinião e até já admitem governar com esse programa”, atirou nas sua página de Facebook o dirigente socialista.

Mesmo assim, as propostas da coligação não foram para o Largo do Rato sem serem fixadas as condições, confirmou o Observador. E a básica é aquela que Passos já tinha referido na sexta-feira, depois de Costa ir à sede do PSD. “A única condição é que não deitemos fora todo o esforço dos últimos anos, de repente ficarmos com um défice de 4% ou 5%, a Comissão Europeia a aplicar sanções, os juros a disparar”, disse então o líder do PSD. “Não temos muita margem, qualquer proposta que seja negociada [e que tenha impacto orçamental] terá que ser compensada”, explica agora um dirigente da coligação.

Mas, afinal, que cedências admitem agora PSD e CDS? Algumas pistas foram já deixadas por Passos, na sexta-feira: uma redução mais rápida da sobretaxa, uma devolução mais rápida dos salários ainda cortados na função pública”. Esta segunda-feira, o Económico escreveu que a direita admite até uma derrapagem ligeira nos números do défice do próximo ano, para acomodar algumas ideias do PS – na condição de não se passar de novo os 3% que são linha vermelha para Bruxelas. Nos últimos dias, houve muito trabalho feito – e algumas ideias que correram já tinham sido referidas aqui como hipóteses pelo Observador.

A incógnita agora é como reage o PS, na reunião que ainda terá que ter hora marcada amanhã. “Ainda no respeito pelo acordado ficam os partidos da Coligação a aguardar proposta de hora para a reunião entre as delegações prevista para amanhã”, limita-se a dizer o comunicado emitido esta tarde.