Pinheiro da Cruz, Grândola. 10:45 da manhã. Os jornalistas que chegam à Media Area na N261, logo a seguir à Prisão, entram um por um num autocarro fretado pela NATO.

A manhã é amena, ora chuvisca, ora não, mas lá dentro nem uma brisa corre, o ar condicionado (ou melhor, a chauffage), por tanto que se rode e rode o manípulo no teto, não há maneira de trabalhar, e o calor é de se soar a alma. O percurso até à Praia da Raposa é rápido, não demora mais do que cinco minutos, e faz-se através de uma primeira cancela, guardada por um militar.

À chegada à Praia, aos jornalista é-lhes dito que os dois hovercraft LCAC (que é como quem diz, “Landing Craft Air Cushion”) sairiam do navio USS Arlington (LPD-24), fundeado a cinco milhas da costa, por volta do meio-dia, e que ali desembarcariam, no areal, os veículos militares que transportam — entre os quais os Humvees e os LAV-25 (ou “Light Armored Vehicle”).

Por outro lado, os helicópteros Sikorsky CH-53E Super Stallion que participariam no exercício dessa tarde — e dos quais desembarcariam, às dezenas, militares dos Marines norte-americanos e dos Fuzileiros portugueses –, mal os veríamos, pois sobrevoar-nos-iam, mas não pousariam ali, na Raposa.

O exercício integra a componente naval da “Trident Juncture 15” da NATO, que começou hoje (o navio USS Arlington esteve atracado na segunda-feira em Lisboa, na Doca de Alcântara), em Portugal, mas prolongar-se-á por várias semanas, até 6 de novembro, nas áreas de Beja, Santa Margarida, Tróia e Setúbal. O “Trident Juncture 15” envolverá quatro mil militares, não só portugueses e norte-americanos, mas de outros quatro países-membros da NATO: Espanha, França, Holanda e Alemanha.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Tenente-Coronel Eric Hamstra, dos United States Marine Corps, receber-nos-ia, informalmente, logo a seguir, numa improvisada tenda, explicando que “isto é algo que preparámos nos últimos dois anos. E isto é uma oportunidade para os Fuzileiros e os Marines aprenderam mutuamente. Vão partilhar táticas, técnicas e procedimentos.”

O almoço “very tipical” e ei-los que chegam. Ou não

Há que almoçar cedo, que os hovercraft estão de chegada. E o almoço não foi o habitual rancho dos refeitórios militares. Não. Teve, como chamar-lhe?, uma espécie de paella, como prato principal. E não se viu quem não se degustasse com tal iguaria.

Às tantas, um tentente dos Marines, entre uma garfada e outra, lá pergunta, “Hummm, what is this?”, ao que lhe responde uma jornalista, gracejando, “It’s a very tipical dish.” Sim, é. Em Espanha.

12 fotos

Ao longe, no horizonte, vislumbra-se a silhueta de um navio e, mais por diante, dois pontos, negros mas branquejando em volta.

Pouco a pouco, galgando oceano a cerca de 80 quilómetros por hora, reconhecem-se, por fim, os dois LCAC. O ruído é tremendo e vai crescendo. Aquele sonido cortante das hélices faz lembrar o de um helicóptero a sobrevoar-nos a cabeça. E ainda vem longe.

Sim, os helicópteros também lá vinham, num cenário a lembrar o filme “Apocalypse Now” – mas sem “Cavalgada das Valquírias” que se escutasse. Só que, mais velozes que as embarcações, passaram-nas, passaram também para lá das arribas, pousaram não se sabe onde, e mal se notaram do areal.

Ao meio-dia e quarenta minutos, precisos, as embarcações, que com o chegar da costa abrandaram — não fossem abalroar a multidão de jornalistas, repórteres de imagem e fotógrafos que se acotovelavam para os ver —, chegaram ao areal. Ou quase. Ainda lhe tocaram, de relance, mas o abrandar foi tanto que a velocidade não chegou para avançar pela Praia da Raposa dentro.

Os jornalistas, a começo, e não fossem as expressões de desconfiança dos oficiais, mal notariam que algo correu mal. Mas correu. Tanto que os hovercraft tiveram que inverter a marcha, voltar a alto-mar, e regressar à Raposa mais velozes.

O que os jornalistas notaram (mais do que notar, sentiram) é que, na meia-volta, as embarcações, com hélices tão tremendas de propulsão, levantaram milhões de gotículas de água, que quase nos pareceu que se tinha erguido ali um nevoeiro cerrado. Um nevoeiro, ou melhor, uma molha!, que nos chegou ao rosto e à roupa em segundos.

À segunda foi de vez. E com brinde: o Embaixador dos Estados Unidos

Agora é que é. Balanço tomado, e à vez lá chegou um dos hovercraft, depois o outro. Mal tocou areal firme, a embarcação desinsuflou-se e abriu-se-lhe um gradeamento na frente.

Saíram uma dúzia de Marines e de Fuzileiros, armas empunhadas, uns de cócoras, outros deitados, a controlar, rapidamente, cada centímetro de areal.

O exercício, contaram-nos no começo, seria um assalto anfíbio, conjunto, das duas forças. Mas, se fosse num cenário real, a área já estaria tomada, teria sido criado um perímetro de segurança para o assalto, e o USS Arlington (LPD-24) só ia dar um apoio logístico aos militares em terra.

O que não nos contaram é que do interior de um dos LCAC sairiam o Embaixador dos Estados Unidos em Portugal, Robert A. Sherman, e o Vice-almirante Pereira da Cunha, que comandou o exercício. O segundo está habituado aos contratempos do mar. O primeiro terá apanhado um valente susto a bordo.

O pior veio depois…

Testou-se tudo e mais um par de botas. Ao pormenor. O que não se testou foi a densidade do areal. E as toneladas de peso dos Humvee.

Saiu o primeiro, nem um metro avançou, e logo ali se atascou. A areia dava-lhe por meio da roda. Empurra-se para a frente. Não dá. Depois para trás. Também não. E no entretanto, talvez sem reparar no problema que na embarcação do lado se vivia, saía do outro hovercraft um segundo veículo – de novo um “pesadão” Humvee. Sem surpresa, também se afundou na areia, sem dali mais avançar.

Os condutores bem aceleravam, a fundo, mas mais acelerassem, mais o blindado se enterrava na areia.

Os jornalistas iam acompanhando tudo do cimo de um rampa, a mesma rampa pela qual os veículos deveriam sair, voltando os hovercraft ao navio para trazer mais uns quantos. Uma e outra vez.

Nem as embarcações voltaram ao USS Arlington (LPD-24) para “recarregar”, nem os Humvee dali saíram sem um empurrãozinho.

Escutavam-se risadas em quem via. Viam-se rostos de desconforto nos oficiais e no Embaixador. E ouviu-se, ao subir da rampa, o Conselheiro de Imprensa da Embaixada dos Estados Unidos e um Tenente dos Marines a pedir que os jornalistas parassem de gravar aquele cenário de atascamento: “OK, guys! Conferência de imprensa…”, diz o Conselheiro, num sotaque abrasileirado, entre o americano e o português. E lá se fez a conferência de imprensa.

Mas como o Embaixador e o Vice-almirante Pereira da Cunha estavam em contra-luz na tenda improvisada para a conversa com os jornalistas, lá se deslocou tudo, o palanque, as bandeiras dos dois países e da NATO, e as câmaras, pois claro, um pouco mais para o lado, mais para a esquerda. Enquanto falavam aos jornalistas e elogiavam a iniciativa, o seu êxito de hoje e a importância da NATO, em fundo vislumbravam-se as tentativas (infrutíferas) dos militares em retirar de lá os dois veículos.

O Tenente-Coronel Eric Hamstra, dos United States Marine Corps, no final, à conversa com o Observador, confidenciou que “tudo correu bem”. Como assim “bem”? “Os Fuzileiros e os Marines trabalharam bem. O exercício foi uma boa oportunidade para, quando os veículos ficam atolados, os Fuzileiros e os Marines saberem como tirá-los de lá para fora.”

Passará, não passará, algum deles ficará, se não for o LAV-25 à frente, é o Humvee lá de trás

Foi uma linda falua. Ou melhor, um navio militar, o que por estes dias se avistou de pertinho em Lisboa e ao longe em Pinheiro da Cruz. O que não foi lindo foi o desenrolar do exercício esta terça-feira.

Mas como os Humvee atascaram, e ouvidos o Embaixador e o Vice-Almirante, havia que mostrar mais aos jornalistas. “Is that enough for you, guys?”, perguntava um Tenente dos Marines. “Não, Tenente, chega lá agora; nós precisamos de uns veículos a subir a rampa, que foi o que vocês nos prometeram”, respondeu-lhe um repórter de imagem. “OK, let me see what I can do…”, respondeu ele, a contragosto. Mas lá fez um jeitinho.

Foi-se escavando, centímetro a centímetro, um caminho para que três blindados LAV-25 fossem avançando em fila. O que um atascava e depois se desenterrava, servia aos outros de passagem. No ar ficou uma fumarada negra e um cheiro a combustível até mais não.

Custou, mas foi. E lá subiram os três a rampa, até que os perdêssemos de vista. “OK, it’s time to go…”, propõe o apressado Tenente, apontando o caminho de volta ao autocarro.

À volta, de volta à N261, o caminho que para Praia da Raposa se fez em silêncio, foi feito ao som de um hit de Enrique Iglésias: “El Perdón”. O calor, esse, manteve-se. Era 1:47 da tarde.

Reportagem: Tiago Palma
Vídeo e fotografia: Hugo Amaral