Não há, nos bastidores da coligação, quem ignore que a ameaça de um Governo de esquerda é real – e que o Executivo que Passos Coelho e Paulo Portas vão preparar pode ser de curtíssima duração. Daí que já se preparem nos dois partidos os passos seguintes. Os que já se percebem são cinco:

1. Um programa mais limpo – e aberto ao diálogo

PSD e CDS já têm uma equipa a preparar um programa de Governo, que terá de ser apresentado na Assembleia 10 dias depois da posse, confirmou o Observador. Vem aí um documento mais limpo, mais aberto, claramente menos ideológico para discutir na Assembleia, naqueles dias que podem ser fatídicos para a coligação (com um chumbo possível da esquerda).

O guião que, por exemplo, Paulo Portas parece estar a usar para mostrar um Governo que aprendeu as lições das legislativas (passando de maioria absoluta para uma maioria relativa) parece estar num discurso de Paulo Portas, citado pelo próprio na entrevista à TVI de segunda-feira – e que tinha feito na AR em novembro de 2009, precisamente quando José Sócrates passou a ter apenas uma maioria relativa dos deputados. Nessa altura, Portas criticava o socialista por levar à AR um programa igual:

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“O seu programa eleitoral foi pensado para a maioria absoluta que o PS queria – queria! – mas não teve. E se não teve, algo mudou. Em vez de assumir isso e definir para onde quer ir e com quem, adaptar-se aos factos e pensar na melhor forma de servir o País, o Programa aqui apresentado é como as estátuas de sal: prossegue a ilusão de um poder absoluto que simplesmente já não existe. Convença-se disso, Sr. PrimeiroMinistro.” 

A ideia de não replicar o programa eleitoral tem, assim, duas justificações: na perspetiva de a esquerda querer deitar abaixo a coligação, Passos e Portas querem “deixar o menor número de pretextos possível” – para que o ónus do derrube do Governo fique mais do lado esquerdo; Mas também para a eventualidade de as coisas falharem à última hora à esquerda – perante o facto incontornável de cada orçamento só passar com uma abstenção dos socialistas na AR.

Nenhuma das partes abre o jogo sobre, em concreto, quais são as cedências que ali podem ficar explícitas. Mas o documento que os líderes da coligação entregaram no Largo do Rato já dá umas pistas: o plafonamento cai, a sobretaxa de IRS pode cair  mais rapidamente, o salário mínimo pode ser aumentado. Mesmo nas ideias reclamadas pelo PS (ainda sem resposta da direita), não é improvável que possam aparecer uns ‘espaços em branco’ para procurar aproximações.

2. Um Governo mais PSD e mais CDS

A possibilidade foi aventada pelo Expresso no sábado e passa por um Governo “de combate político”. Leia-se, com menos independentes e mais preparado para o que aí vem (fique o Governo de direita ou venha um de esquerda): muita luta no Parlamento, acusações recíprocas, preparação para eleições antecipadas – que podem vir mais cedo que tarde.

Curiosidade: a coligação foi buscar inspiração a um texto de Vital Moreira, escrito em 2009 quando José Sócrates ficou em minoria no Parlamento. Dizia assim, o então eurodeputado socialista:

“Exatamente por ser minoritário é que o Governo deve ser o mais coeso e homogéneo possível, sob o ponto de vista político e partidário. Um governo maioritário pode dar-se a algumas liberdades de formação, como sucedeu em 2005; um governo minoritário, não, tanto mais que precisa de ser um governo resistente e combativo. O alargamento do necessário apoio parlamentar, para efeito de aprovação das leis, deve ser conseguido, isso sim, por negociações políticas à esquerda ou “à direita, conforme os casos, e não pela dissolução política da composição do governo.”

Nos próximos dias, perceberemos quem é chamado ao “combate” – sendo que esta opção ajuda na escolha (os militantes estão sempre mais disponíveis). E até que ponto será possível chamar, nestas circunstâncias, elementos de maior “peso político”, como recomendou Marques Mendes.

A ideia é que tudo seja rápido: os nomes dos ministros podem, caso Passos seja indigitado, ser entregues ao Presidente da República até ao final da semana, para que a posse decorra logo a seguir. A orgânica também não deve mudar, para não haver entraves a uma rápida entrada em funções, acrescentou o Expresso esta terça-feira.

3. Uma estratégia: reclamar legitimidade

Passos Coelho vincou a mensagem em todos os discursos e documentos assinados nas últimas semanas: quem tem a legitimidade para formar Governo é a direita. “O PS não deixará, assim, como partido derrotado, de assumir as suas responsabilidades”, disse esta terça-feira, à saída de Belém. A palavra “responsabilidades” foi usada e repetida por três vezes nas declarações aos jornalistas.

Paulo Portas, por seu lado, disse na TVI que Costa está a abrir um “capítulo perigoso” na democracia, que nunca viu um partido formar governo depois de ter perdido eleições. E em Belém acrescentou que Costa está “a ir contra a vontade do povo” por estar “à procura da sua sobrevivência” política.

Para os dois líderes à direita, a estratégia é preparada para o pior cenário. Se Costa fizer Governo, PSD e CDS vão dar esse Executivo como “politicamente ilegítimo”, expressão já usada por Matos Correia (vice-presidente social-democrata) e Nuno Melo (vice centrista) em entrevistas ao DN. E, com isso, ficam com um argumento para se desvincular de propostas apresentadas por Costa (mesmo aquelas que implicam o cumprimento de metas europeias). Porquê? Porque a direita quer evitar que Costa derrube um Governo com a esquerda e que, depois, peça a PSD e CDS apoio para as medidas mais impopulares.

O aviso de que não são aceitáveis, para a direita, negociações de Governo à esquerda ficou, aliás, registado na última carta de Passos a Costa, no último domingo: “Só tem sentido que [se negoceie] junto daqueles que comungam dos objectivos associados à nossa presença à UE e ao Euro, bem como aos princípios da economia social de mercado, e não junto daqueles que assumem valores contraditórios com estes, como é o caso do BE e do PCP.” 

4. Um discurso: nós ou o caos

Maria Luís Albuquerque disse-o, Paulo Portas repetiu, Pedro Passos Coelho insistiu: um governo de esquerda liderado por António Costa vai deitar por terra todo o caminho de recuperação económica que o país percorreu sobretudo nos dois últimos ano desta legislatura. E o PS será o responsável por isso.

Esta terça-feira, depois da reunião com Cavaco Silva, o líder da coligação Portugal à Frente lembrou que, sem um Orçamento aprovado o mais rapidamente possível, o país vai mergulhar na “instabilidade” e na “imprevisibilidade” financeira.

Nessa linha, e mesmo deixando claro que é a Cavaco Silva que cabe a tarefa de indigitar alguém para formar Governo, Passos pediu que sejam asseguradas as condições de “previsibilidade e estabilidade” para governar, apontando esse como um “requisito” fundamental para a recuperação económica e financeira do país – e para “garantir o desendividamento do país”.

Um recado repetido na véspera por Maria Luís, primeiro, e Paulo Portas, depois. Na SIC, a ministra das Finanças deixou claro que sem “um Governo empossado e um Orçamento debatido e aprovado o quanto antes”, “a deterioração da situação do país com as fragilidades que o nosso ainda tem” será “muito rápida”.

A que ritmo? Maria Luís explicou: “Se não houver condições de governabilidade e consolidação das contas públicas isso manifesta-se imediatamente nas condições de financiamento. O dinheiro fica mais caro não só para o tesouro, também para as empresas e famílias. Cai a confiança, cai o investimento e a recuperação do emprego corre também o risco de recuar”.

Minutos depois, na TVI, Paulo Portas alertava para o “perigo” de se estar a fazer uma leitura diferente dos resultados das eleições e a “colocar a governabilidade do país nas mãos do PCP ou do BE”, numa altura em que ambos estão a levantar a voz ao PS e, “ainda por cima”, em concorrência um com o outro. “Não acho que seja boa ideia”, disse, alertando para os cenários de “instabilidade crónica” e de défices “exagerados” que podem advir dos governos frágeis de “seis meses”.

Instando sempre os políticos a serem “responsáveis” e a “respeitarem o interesse nacional”, Paulo Portas deixou ainda uma farpa a António Costa: “Interesse nacional é muito diferente de manual de sobrevivência partidária” e revelou: “Ainda tenho esperanças que o PS caia em si”.

5. Negociar com… os parceiros sociais

À falta da disponibilidade do PS para negociar um programa e um orçamento, PSD e CDS começaram a procurar os parceiros sociais. Houve já reuniões com a CIP, também com a CAP. Na lista está ainda a UGT (cujo líder defendeu publicamente um acordo PSD-CDS-PS e vai ter agora prova de fogo interna).

A ideia é mostrar que haveria caminho aberto a uma progressiva redistribuição de rendimentos, salário mínimo incluído. E que só o PS estará a bloquear um diálogo produtivo – e estável.

Voltando ao discurso que Paulo Portas fez contra Sócrates em 2009, muito citado dentro do CDS nestes dias, já lá estava também esta estratégia:

“Sr. Primeiro-Ministro, vem aí o debate do Orçamento do Estado para 2010. Se estivesse no seu lugar procuraria aquilo que, surpreendentemente, não encontrei no seu discurso de hoje: um novo acordo social, capaz de mobilizar os empregadores e os trabalhadores, para dar solução a um gravíssimo problema económico, o da produtividade, e atender, com justiça, à valorização do factor trabalho. Vá por aqui, Sr. Primeiro-Ministro”, dizia Portas.

Nessa altura, não houve moções de rejeição do programa. Agora a história, tudo indica, poderá ser outra.