À medida que vai sendo libertada informação sobre os ataques a Paris pelas forças de segurança, descobre-se o inevitável: alguns dos terroristas são franceses ou terão vindo de outros países europeus, nascidos e criados no continente da liberdade, que decidiram matar os seus concidadãos em nome de um ideal fanático religioso que vê o Ocidente como um inimigo.

Como explicar que cidadãos europeus, nascidos em liberdade e em terra onde a laicidade é razão de Estado, se sintam atraídos pelo Estado Islâmico (EI)? Esta é a pergunta que os serviços de informações europeus têm tentado descobrir desde que o EI se tornou uma ameaça visível.

As respostas – as explicações para uma situação com esta complexidade só podem ser no plural – partem da pouca informação do EI que se encontra disponível mas que são claras em diversos pontos – e com a França em particular destaque.

Os seguintes dados foram recolhidos pelo Observador em Outubro de 2014 com base informações das secretas da França, Bélgica, Holanda e Alemanha. Apesar de poderem estar desatualizados em termos de pormenor (um ano depois, os serviços de informações têm mais informação sobre o EI), permitem perceber melhor o ‘sucesso’ daquela organização terrorista na Europa:

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  1. O EI sempre teve uma forte capacidade de atrair jovens europeus para o combate militar na Síria e no Iraque. Dos 10 mil a 12,5 mil combatentes estrangeiros alistados nas fileiras do EI em outubro de 2014, cerca de 2500 eram europeus. Destes a maior parte eram franceses. Hoje o número total de estrangeiros nas fileiras do EI terá disparado para 30 mil, segundo dados da CIA e da ONU.
  2. Os quatro serviços de informações europeus não conseguiram fazer um perfil rigoroso do jihadista europeu mas maioritariamente são homens entre os 18 e os 35 anos, mas existiam cada vez mais mulheres entre os 15 e os 25 anos. Nota importante: estamos a falar essencialmente de jovens que representam todos os estratos sociais, com predominância para a classe média. A questão da pobreza ou desemprego não é assunto neste dossiê.
  3.  A forma de recrutamento predominante é simples: a internet e as redes sociais. Sites e páginas nas redes sociais de radicais islâmicos são o primeiro contacto com o EI, existindo depois uma fase recrutamento presencial que passa, em primeiro lugar, por uma educação religiosa e pela conversão ao Islão.
  4. Contudo, a questão religiosa não é apontada pelos quatro de serviços de informações como a questão predominante no sucesso do recrutamento. Jovens com uma vida sedentária, segura e ‘monótona’, em que a cultura dos video jogos tem alguma influência – são alguns das explicações que são dadas para a aventura de emigrar para a Síria e contribuir para a construção do Califado.
  5. A questão financeira também é importante – muito mais que a questão religiosa. A ‘aventura’ na Síria tem salário e casa garantidos. O EI também promete aos homens que terão uma mulher à sua espera. Estas duas questões são consideradas essenciais pelos serviços de informações para aumentar a sua competitividade na área do recrutamento face a outros grupos terroristas como a Al-Qaeda 
  6. O EI tem grande interesse em recrutar europeus com habilitações literárias em áreas técnicas como a medicina, engenharia, eletricidade ou água para reforçar a sua capacidade de povoar os territórios que são conquistados
  7. Por isso mesmo, os combatentes europeus dividem-se em dois grupos: os combatentes e os que ajudam no povoamento do califado ou em outras áreas técnicas como a propaganda.

Qual o perfil dos jihadistas portugueses? E regressaram?

A pouca informação disponível sobre o EI é uma das razões para o ‘sucesso’ dos seus objetivos militares e terrorista mas também explica a ineficácia no combate às suas ações na Europa. A coordenação e troca de informação entre as diferentes secretas europeias tem sido essencial para elaborar o perfil dos combatentes mas também para tentar coordenar os indivíduos que estão sinalizados como elementos suspeitos.

Por exemplo, a troca de informação dentro do Espaço Schengen tem sido crucial para identificar os europeus que partem para a Síria ou para o Iraque para se juntarem às fileiras do EI, sendo que o seu regresso à Europa leva as secretas a seguirem o seu rasto para descobrir células adormecidas.

O mesmo acontece com Portugal, estando essa monitorização a cargo do Serviço de Informações de Segurança (SIS).

O perfil dos jihadistas portugueses é mais difícil de fazer do que dos restantes europeus devido ao seu reduzido número mas também devido ao fato de Portugal não representar um alvo estratégico para o EI.

Das poucas informações que existem na comunidade de informações, é possível dizer o seguinte:

  • Trata-se de cidadãos com nacionalidade portuguesa nascidos em território nacional ou noutros países europeus. Cidadãos luso-franceses são predominantes;
  • A idade média situa-se entre 18-40 anos, maioritariamente do sexo masculino e convertidos ao Islão. Contudo, as conversões em questão são rápidas e que têm subjacente um laço frágil com o islamismo;
  • As primeiras deslocações dos combatentes portugueses para a Síria ocorreram em 2011. 

Verificaram-se regressos temporários mas a maioria dos regressados, apesar dos laços familiares, não têm uma ligação ou quadro de vida em Portugal que lhes permita ficar em território nacional durante muito tempo.

O SIS avalia a presença de jihadistas em Portugal como uma ameaça real mas com duas perspetivas:

  • Portugal pode ser um local de recuo para o descanso do guerreiro;
  • E um vértice de financiamento da organização terrorista

Uma questão importante na avaliação da ameaça do EI para Portugal é o fato de o português ser uma das línguas que o EI usa para efeitos de propaganda.