Foi a ferver, a tomada de posse do Governo de António Costa. A ferver pelo confronto direto entre o Presidente da República e o agora primeiro-ministro.

Cavaco Silva abriu as hostilidades deixando uma ameaça a António Costa: nos quatro meses de mandato que tem pela frente, o Presidente não abdica de “nenhum dos poderes” que tem. Incluindo a demissão do Governo. Se o tom de Cavaco foi violento, não foi menos o de António Costa: o Governo, disse o socialista, tem “garantias” de durabilidade dos seus parceiros à esquerda. E mais: responde apenas perante a Assembleia da República.

Foi, assim, uma tomada de posse a prometer tensão permanente, pelo menos até à posse de um novo Presidente, em março do próximo ano. Ambos os atores principais prometeram “lealdade institucional”, mas nenhum poupou nas críticas. Cavaco Silva começou por dizer que tem dúvidas quanto à solidez dos acordos assinados à esquerda. Explicou que só lhe deu posse porque não podia dissolver a Assembleia da República – e porque um governo de gestão por tanto tempo não era viável. Foi, portanto, a contra-gosto e por falta de opção.

“Quatro forças políticas assinaram três documentos de diferente alcance, designados ‘posições conjuntas’, com vista à apresentação de uma solução governativa alternativa. Os referidos documentos são omissos quanto a alguns pontos essenciais e à estabilidade política e à durabilidade do Governo, suscitando questões que, apesar dos esforços desenvolvidos, não foram totalmente dissipadas”.

Minutos depois falava António Costa, com a resposta preparada no bolso. O primeiro-ministro dava as garantias que este era um Governo “confiante”, “moderado” e apoiado numa maioria que lhe garantia um atestado de vida por quatro anos.

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“Através de um processo de diálogo político transparente e democrático, formou-se uma maioria estável que assegura, na perspetiva da legislatura o suporte parlamentar duradouro a um Governo coerente”, disse António Costa.

Antes, o socialista tinha ouvido Cavaco dizer que não abdica “de nenhum dos poderes que a Constituição atribui ao Presidente da República”. E acrescentou uma frase: “Recordo que desses poderes só o de dissolução parlamentar se encontra cerceado”.

É um aviso constante caso Costa se desvie da “atual trajetória de crescimento económico e criação de emprego e preserve a credibilidade externa”. Caso isto aconteça, o Presidente diz que tem a “legitimidade própria que advém de ter sido eleito por sufrágio universal e direto dos portugueses”. Ora, Costa não foi. 

Certo é que o Presidente não pode dissolver o Parlamento e convocar novas eleições até porque a Assembleia não pode ser dissolvida nos primeiros seis meses de mandato. Mas tem outros poderes intocáveis, como, por exemplo, demitir o primeiro-ministro e exigir outro Governo com a mesma composição do Parlamento. Ou vetar leis, por exemplo. Ou usar da palavra – ao Parlamento ou ao país.

Mas Costa, com discurso escrito, levava resposta: “o Governo provém da Assembleia da República – e é perante a Assembleia que responde publicamente”.

Costa recusa “crispação”, mas respondeu à letra (a Cavaco e a Passos)

Nas palavras, o princípio estava lá. Costa prometeu um “Governo moderado”, quer nas políticas quer no diálogo. E o que quer isto dizer? O novo primeiro-ministro não dispensa, agora, falar com PSD e CDS. Diz que “este é o tempo da reunião”.

“Não é de crispação que Portugal carece, mas sim de serenidade. Não é altura de salgar as feridas, mas sim de sará-las. O bom conselheiro desta hora não é o despeito ou o desforço, mas a determinação em mobilizar as vontades para vencermos os desafios que temos pela frente”, defendeu o primeiro-ministro.

Mas as palavras não tiveram espelho na prática. Costa até saudou “democraticamente” Passos Coelho, dizendo que terá feito o que “na sua convicção”, o melhor para o país. Mas a prova de que os tempos estão mais para o confronto do que para compromisso foi que apenas os governantes cessantes aplaudiram o discurso do Presidente da República e (quase só) os empossados aplaudiram o de António Costa.

Noutras palavras, Costa atacou. Atacou as políticas do anterior Executivo, começou por dizer que este seria um Governo com “respeito pela nossa lei fundamental, a Constituição” e até foi buscar a história do conselho para os jovens emigrarem. Para o fim a justificação democrática: “Este Governo nasceu da recusa da ideia de que não haveria alternativa à política que vem sendo prosseguida e a sua posse por V. Exa. é a prova que a democracia gera sempre alternativas”.

Ao Presidente deu garantias à letra. Além das de política mais geral, Costa lembrou o caderno de encargos que lhe tinha sido dado pelo Presidente (contra os programas do PCP e Bloco). E por isso, um por um disse que é um “Governo de garantia”:

  • Da continuidade do Estado nos seus compromissos internacionais e no quadro da União Europeia”;
  • Mas também “da zona euro”;
  • Na “Organização do Tratado do Atlântico Norte”;
  • O “lugar de Portugal na comunidade internacional, no sistema das Nações Unidas e demais organizações multilaterais”.

Para futuro fica a certeza que Costa primeiro-ministro e Cavaco Silva, Presidente da República, só já coabitam quatro meses, mas ainda têm de se entender sobre pastas importantes. Começa já com a aprovação do Orçamento do Estado.