O governo mostrou preocupação ao Banco de Portugal pela decisão do supervisor de impor perdas aos investidores em dívida sénior do Novo Banco, avança a agência Bloomberg que conclui que o executivo socialista se opôs à medida que enfureceu os mercados.

Duas fontes citadas pela Bloomberg adiantam que o secretário de Estado do Tesouro, Ricardo Mourinho Félix, revelou que o governo manifestou a sua “preocupação ao banco central” quanto à decisão de transferir obrigações (títulos de dívida) para o banco mau (o BES). Numa reunião com investidores internacionais, o governante explicou que o executivo não interferiu nesta decisão por causa da independência do banco central. Esta operação foi conhecida a 29 de dezembro, muito pouco tempo depois de outra intervenção polémica, a do Banif.

Entre os participantes neste encontro, que se terá realizado em Londres, estavam representantes da Pacific Investment Management (PIMCO) e da BlackRock, dos dois maiores investidores internacionais nestes títulos de dívida e que não serão reembolsados com a sua passagem para o BES (Banco Espírito Santo).

Os detentores de dívida sénior foram apanhados de surpresa com a transferência de obrigações no valor de dois mil milhões de euros do balanço do Novo Banco para o BES, uma decisão anunciada nos últimos dias do ano que permitiu aliviar de forma substancial o balanço da instituição que o Banco de Portugal se prepara para recolocar à venda.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A reunião do secretário de Estado de Mário Centeno com investidores internacionais, cuja data não é revelada, tinha como tema principal a dívida pública e não o Novo Banco. No entanto, a decisão de imputar perdas aos detentores de obrigações está a ser vista como mais um golpe que está a abalar a confiança dos investidores internacionais pelo mercado financeiro português, a juntar à resolução do BES e do Banif.

Estava prevista a presença do ministro das Finanças, mas quem acabou por aparecer foi Ricardo Mourinho Félix que tem a tutela da dívida pública. Este encontro terá sido promovido pelo banco de investimento Morgan Stanley.

O Banco de Portugal não faz comentários. Ainda não foi possível obter uma reação do Ministério das Finanças.

Bloco propôs solução com perdas para credores seniores do Novo Banco

A possibilidade de imputar perdas aos credores seniores como solução para recapitalizar o Novo Banco foi defendida publicamente pela primeira vez pelo Bloco de Esquerda. Era uma das condições impostas pelo partido para viabilizar o Orçamento Retificativo necessário para concretizar a resolução do Banif. Na altura, o governo recusou as condições do Bloco.

Esta transferência de responsabilidades, justificada com a resolução do Banco Espírito Santo, mas concretizada um ano e meio depois da primeira intervenção, tem estado debaixo de fogo dos investidores internacionais que estão em risco de perder quase todo o investimento. Estes títulos foram vendidos a investidores institucionais — a aplicação mínima era de 100 mil euros — mas alguns particulares compraram as obrigações, ficando expostos às perdas.

Há já várias ameaças de processos contra o Banco de Portugal, mas neste caso deverá aplicar-se a jurisdição portuguesa. Depois da decisão de retirar os títulos do Novo Banco a sua cotação afundou de 90 para 10 cêntimos de euros, mas ainda não houve uma declaração de default (incumprimento) que permita aos investidores acionarem os CDS (contratos para proteção de risco de incumprimento). O tema está ainda em discussão.

O Banco de Portugal invocou as regras europeias para justificar esta operação, lembrando que a resolução do Banco Espírito Santo previa a possibilidade de transferência de ativos e passivos até ao final deste processo que ficou concluído no final de 2015. Por outro lado, a responsabilização dos credores por perdas em resolução bancária é uma das linhas mestras das regras europeias.

A partir de 2016, a imputação de prejuízos pode chegar a todos os credores e aos grandes depositantes (acima dos cem mil euros), o que tem sido apontado como uma das razões para o Banco de Portugal ter acelerado a recapitalização do Novo Banco. O plano inicial previa que o reforço da solidez financeira fosse realizado num período mais longo, com o recurso à venda de ativos (a seguradora) e a entrada de capital privado no contexto da venda.