“A Europa precisa de mais, não de menos, trabalho“, afirmou José Manuel Durão Barroso esta segunda-feira em Lisboa, numa alusão às reformas estruturais que estão a ser “revertidas“, entre as quais o possível regresso das 35 horas de trabalho semanal na Função Pública. O ex-presidente da Comissão Europeia diz que Portugal e os outros países têm de continuar a fazer reformas, que aproximem a mentalidade àquilo que Barroso tem visto em Princeton, nos EUA, onde os seus alunos “só pensam em criar empresas, nenhum quer ser funcionário público“.
As declarações de Durão Barroso foram proferidas durante uma conferência organizada pela Católica Lisbon School of Business & Economics da Universidade Católica Portuguesa. Uma conferência subordinada ao tema da União Bancária europeia.
Apesar de o tema em debate ser a União Bancária, Barroso não fugiu às questões sobre o estado atual da economia europeia e, também, portuguesa. Olhando para trás, para o programa de assistência, e “procurando ser intelectualmente honesto, acho que o esforço foi demais, até no caso português, Mas temos de ver porque é que foi demais. Dito isto, penso que não se verificou a tese da espiral recessiva. Ou seja, numa fase inicial, sim, a austeridade provoca um efeito recessivo mas é essencial para resolver o problema maior que era o problema da confiança“.
Eu também tenho dúvidas se o grau foi o adequado. Podemos discutir a dosagem e o tempo. Eu disse-o, publicamente: esta política que estamos a fazer na zona euro tem limites políticos e sociais. E viu-se: na Grécia ganhou um partido frontalmente contra o consenso europeu (que depois teve de rever completamente a sua política), em Portugal o partido que aplicou essa política perdeu a maioria parlamentar, apesar de ter ficado em nº1 nas eleições… Mas, na altura, esta era a única política possível, porque por exemplo em Chipre nós pedimos o dobro do dinheiro, mas depois vinha o FMI, com a sua análise à sustentabilidade da dívida, e limitava o montante.
Barroso diz que se pode discutir a “dosagem” e que ele próprio tem “dúvidas sobre se o grau foi o adequado”, mas defende que os se mostrou “que era errada a tese da espiral recessiva” e que os problemas foram corretamente diagnosticados pela Comissão Europeia, pelo Eurogrupo e por outras entidades. O problema, diz Barroso, é que, depois, nada de faz em termos de reformas estruturais. “Todos os governos dizem que querem fazer reformas estruturais, mas depois nada fazem — o que é, também, uma auto-crítica”, diz ex-primeiro-ministro português. Ou melhor, “alguma coisa já se fez, em termos de reformas da segurança social, da idade da reforma, coisas de senso comum, reformas da Justiça”.
Mas “em países como o nosso, quando se fala em reformas estruturais, o que constato é que muitas vezes isso só se consegue pela via orçamental”. O que ajuda a perceber porque é que Barroso diz que até tem “medo quando alguém fala na criação de um Ministério da Reforma (Modernização) Administrativa”. Sobretudo ao mesmo tempo que se admite o regresso às 35 horas de trabalho na Função Pública – um “descalabro completo”, diz Barroso, que sublinha: “A Europa precisa de mais, não de menos, trabalho. Isto é óbvio, com a comparação com a China e outros países”.
Nos EUA, “nenhum dos meus alunos quer ser funcionário público”
Barroso tem passado boa parte do seu tempo na Universidade de Princeton, nos EUA, e diz que “lá a mentalidade é totalmente diferente”, o que ajuda a explicar porque é que os EUA recuperam muito mais rapidamente das crises do que a Europa”. “Nenhum dos meus alunos quer ser funcionário público, só pensam em abrir empresas”, diz o ex-presidente da Comissão Europeia.
“Lá a flexibilidade é outra, e os americanos recuperam muito mais rapidamente do que nós, por causa, em parte, da cultura empreendedora”, afirma Durão Barroso.
É neste tipo de cultura que a Europa tem de se inspirar para sair da crise e acabar com o período de emergência que se viveu. Um período de emergência que, apesar de tudo, criou oportunidade para fazer coisas como os progressos na União Bancária.
Durão Barroso reconhece que a zona euro esteve à “beira do abismo” e, ainda hoje, apesar de não poder garantir que a Grécia não sairá da zona euro, recorda que em 2012 teve um jantar com os economistas-chefes de grandes bancos de investimento e, desse conjunto, apenas um admitia que a Grécia estivesse ainda no euro no final de 2012. Todos os outros diziam que sairia. “Estamos em 2016 e ainda não saiu”, o que comprova que “o elemento político foi subvalorizado”. Uma coisa é certa: “Se a Grécia caísse, Portugal caía logo a seguir – até tem uma dívida total (pública+privada) maior do que a Grécia”, diz Barroso.
Barroso aproveitou para recordar o início da crise, nomeadamente no ano de 2009, em que países endividados “tomaram decisões sem bom senso” e se endividaram ainda mais. Essa foi, também, a altura em que os países mais ricos quiseram salvar os próprios bancos, desprezando que havia regras da concorrência a respeitar.
“Eu disse a Merkel: eu posso suspender as regras europeias, mas só depois de a Alemanha suspender a Constituição alemã”.
FMI cultiva o star system dos seus funcionários
Olhando para o período dos resgates, Durão Barroso lembrou, ainda, que, enquanto presidente da Comissão Europeia, teve “muitas diferenças com o FMI”.
O FMI apareceu neste sistema porque a Alemanha e os paises mais duros nao confiavam na Comissão. Pensavam que a comissão está demasiado próxima dos governos. Quiseram, portanto, uma garantia de um notário externo.
Mas, depois, diz Barroso, o “FMI teve um comportamento completamente errático. Apareciam com uma politica de comunicação externa, com os funcionários a dizer o que gostam de comer, se fazem jogging“, o que contrastava com a discrição com que a Comissão Europeia estava a operar.
“O FMI cultiva o star system e procurava passar para a opinião pública a imagem que estava a amenizar os programas de austeridade quando nas reuniões eram os mais duros”, acusou José Manuel Durão Barroso.
Foi “estranho” o BES não recorrer aos fundos da troika
Durão Barroso comentou, ainda, a situação da banca em Portugal, desde o colapso do BES até aos casos mais recentes. Mas limitou-se a dizer que, ainda que tivesse sido “estranho que todos os bancos tivessem recorrido ao fundo da troika para a banca, nós na Comissão não tínhamos forma de ter noção de que os problemas poderiam ter esta dimensão”.
“A Comissão tem de se basear no que dizem as autoridades nacionais”, diz Barroso, lembrando que “quando começaram os primeiros rumores sobre as cajas espanholas, perguntei diretamente o que se passava ao primeiro-ministro e Zapatero disse-me: está tudo perfeito. Espanha tem o melhor banco central do mundo!“.