As perturbações do espetro do autismo, que se podem manifestar com diferentes graus de intensidade, aparecem logo na infância e aos três anos, regra geral, o diagnóstico já pode ser confirmado. O ideal seria tratar estes problemas ainda durante a infância e juventude, mas uma equipa de investigadores quis estudar também o potencial de tratamento numa fase adulta. Os resultados foram publicados na Nature.

“Sendo uma doença do neurodesenvolvimento assume-se que uma possível intervenção deve ser feita numa fase muito jovem”, disse ao Observador Patrícia Monteiro, investigadora no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra. Mas acrescenta que “era importante perceber se uma intervenção na fase adulta poderia também ser útil.”

Por enquanto o estudo foi feito apenas com ratos de laboratório, mas permitiu confirmar que o nos adultos não se consegue uma melhoria de todos os comportamentos como se consegue com os juvenis. Isto porque “alguns circuitos cerebrais são menos plásticos, menos maleáveis, ao longo da vida”, explicou a coautora do estudo coordenado pelo MIT – Instituto de Tecnologia de Massachusetts (Estados Unidos). Ainda assim, este estudo mostra que algumas terapias que venham a ser desenvolvidas podem ser usadas mesmo em adultos.

Neste caso, os investigadores estudaram apenas a mutação no gene Shank3, mas a Patrícia Monteiro lembra que “existem vários genes implicados no autismo”. Enquanto a situação que tinham em estudo era a mais comum causada por um único gene – 1% de todos os casos de perturbações do espetro do autismo -, outros casos existem em que podem existir mutações simultâneas em vários genes.

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Este gene é responsável pela produção de uma proteína com o mesmo nome que existe nas sinapses – os pontos de contacto e comunicação entre neurónios. “Esta proteína funciona como um ‘andaime’ que suporta centenas de outras proteínas necessárias para esta comunicação entre neurónios se efetuar corretamente”, disse a investigadora. Quando em falta pode provocar comportamentos associados ao autismo, mas quando em excesso pode haver manifestações de hiperatividade ou de doença bipolar. “Por isso é muito importante que esta proteína exista em doses normais.”

Nos ratos usados nesta investigação os investigadores conseguiram manipular o gene Shank3 de forma a ligá-lo na idade adulta e assim retomar a produção da proteína. Os animais apresentaram melhorias nos comportamentos repetitivos e obsessivos, como grooming excessivo – ao ponto de arrancarem pelo e fazerem lesões na pele nua -, e na ausência de interação social. Porém, estes animais não mostraram melhorias nos problemas de locomoção, de coordenação motora ou de ansiedade.

Embora estas terapias de reparação genética ainda não estejam prontas para usar no homem, “estes resultados sugerem que futuras terapias de reparação genética podem ser potencialmente usadas para reparar mutações no gene Shank3 e melhorar o prognóstico da doença, mesmo em fase adulta”, frisou Patrícia Monteiro.

“Este estudo ajuda também a perceber melhor quais alguns dos defeitos específicos que surgem nos circuitos cerebrais. Se encontrarmos forma de manipular especificamente a atividade destes circuitos em humanos, poderemos potencialmente corrigir alguns comportamentos.”