O Rio Lima, em Viana do Castelo, vai ser o palco de uma regata de barcos robóticos. Leu bem: uma corrida de veleiros que navegam completamente sozinhos, sem tripulação. A iniciativa, organizada pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), e pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), pretende ser “sobretudo uma mostra de tecnologia”, nas palavras de Nuno Cruz, um dos mentores do projeto.
Em declarações ao Observador, Nuno Cruz, investigador do Centro de Robótica e Sistemas Autónomos do INESC TEC e docente na FEUP, explica que “além das tradicionais regatas, pretende-se avaliar o desempenho dos robôs em situações típicas de navegação como, por exemplo, na deteção e desvio de obstáculos”.
Como funciona um veleiro autónomo?
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A FEUP e o INESC TEC também participam na corrida, com o veleiro FASt. Este barco, resultado de um projeto que já remonta a janeiro de 2007, tem 2,5 metros de comprimento, e foi parcialmente construído com materiais compósitos.
O barco está equipado com um conjunto de sensores essenciais para a navegação, como um recetor GPS, uma bússola digital, medidores da velocidade e direção do vento, da temperatura da água, da luz ambiente, da velocidade da corrente de água e ainda um sonar para detetar obstáculos no percurso. A energia necessária ao funcionamento dos sistemas é obtida através de um painel solar, existindo ainda capacidade de armazenamento para permitir o funcionamento durante grandes períodos de tempo.
São os dados obtidos de forma permanente por estes sistemas que permitem ao veleiro “tomar decisões”, acionando pequenos motores elétricos que permitem manobrar o leme e orientar as velas. Basta à equipa inserir no software os pontos onde o barco deve passar e a navegação dá-se de forma autónoma.
De acordo com o investigador, esta tecnologia, que permite fazer um veleiro navegar sozinho, “já atingiu um elevado nível de maturidade”, e já é possível pensar em vantagens práticas. “É fácil antever uma embarcação completamente autónoma e autossuficiente do ponto de vista energético a patrulhar uma zona da nossa costa de forma contínua, dia e noite”, garante Nuno Cruz.
Para o investigador, a introdução destes barcos autónomos no sistema de patrulhamento da costa iria reduzir “o custo de operações a uma pequena fração do custo atual”. “No caso de detetar alguma situação fora do comum, [o barco] pode reportar a um centro de coordenação ou controlo costeiro”, centro esse que “pode supervisionar um grande conjunto de barcos autónomos”, esclarece Nuno Cruz. Devidamente programados, estes barcos podem servir para a “monitorização ambiental, proteção e segurança ou deteção e prevenção de atividades ilegais”.
Veleiros “inteligentes” podem ajudar a poupar energia. E tempo.
A tecnologia pode permitir ainda — “a mais longo prazo”, reconhece Nuno Cruz — “a redução da fatura energética em grandes navios, por exemplo no transporte de cargas“. O investigador explica que “além do aproveitamento da força do vento em cada local, a incorporação de modelos de previsão meteorológica permite o planeamento dinâmico de rotas, no sentido de melhorar o consumo global de combustível ou a rapidez na viagem”.
O tradicional «piloto automático», que apenas controla a direção do barco, passa a ser mais inteligente e capaz de fazer o papel de marinheiro, planeando as rotas e lidando com as velas e o leme”, explica Nuno Cruz.
Essencialmente, podemos olhar para dois grandes tipos de aplicações desta tecnologia. Por um lado, o sistema pode funcionar como auxílio em barcos tripulados, servindo, por exemplo, para reduzir o impacto ambiental. “A utilização do vento como forma de propulsão pode reduzir os custos energéticos e o impacto ambiental”, afirma o responsável do projeto. Esse processo será, em teoria, mais eficiente se for feito com recurso aos cálculos do sistema.
O sistema pode, por outro lado, estar ao serviço dos cidadãos. “Pode haver situações inesperadas em que esta possibilidade pode salvar vidas, como no caso de uma indisposição súbita”, exemplifica Nuno Cruz. “Outro exemplo é a queda acidental à água, que pode ser fatal a um navegador solitário. Uma embarcação ‘inteligente’ poderia facilmente detetar a queda, lançar um sinal de alerta e manter-se nas proximidades”, acrescenta o investigador. Além disso, os veleiros robóticos podem “estender o usufruto da vela a pessoas com deficiências graves ou mobilidade reduzida, ou simplesmente a quem quer desfrutar da vela de forma despreocupada”.
Outro investigador responsável pelo evento, José Carlos Alves — também professor na FEUP –, sublinha mesmo a “importância que os veleiros robóticos têm no contexto da monitorização do oceano quer em ações de vigilância costeira quer pela capacidade que oferecem em termos de dados oceanográficos”.
O evento decorre nos próximos dias 5 a 10 de setembro, no Rio Lima, em Viana do Castelo. No primeiro dia, os vários participantes encontram-se na Marina de Viana para os treinos. De 6 a 9, acontecem as diferentes provas, nas diversas categorias. O campeonato termina no sábado, dia 10 de setembro, com uma conferência que inclui apresentações de trabalhos científicos sobre embarcações à vela robóticas, esclarece a organização.