O Fundo Monetário Internacional (FMI) recomenda que o Governo aplique medidas de austeridade que correspondam a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), cerca de 900 milhões de euros, no próximo ano, focando-se nos salários e pensões da função pública.
“O Governo precisa de uma estratégia orçamental credível. (…) Medidas bem especificadas, principalmente do lado da despesa e que resultem num ajustamento estrutural primário de 0,5% do PIB [cerca de 900 milhões de euros] em 2017 e 2018, seria um caminho adequado”, defende o FMI.
A recomendação surge nos relatórios sobre a quarta missão de monitorização pós-programa e a missão a Portugal ao abrigo do artigo IV, que decorreram em simultâneo no final de junho, e ganha relevância numa altura em que o Governo está a preparar o Orçamento do Estado para 2017 (OE2017), que deve ser apresentado à Assembleia da República em cerca de três semanas, até 15 de outubro.
Nesta avaliação, o FMI alerta ainda para o risco de um efeito de espiral que pode travar o acesso de Portugal aos mercados e aponta para três fragilidades que são críticas: os problemas da banca, um crescimento débil e a uma derrapagem orçamental.
No documento, o Fundo lembra que o Programa de Estabilidade 2016-2020, apresentado em abril pelo Governo, prevê ajustamentos estruturais de 0,3% do PIB no médio prazo, mas considera que essa estratégia depende de “assunções macroeconómicas irrealistas” e, por isso, sublinha que “a política orçamental deve estar ancorada num ajustamento estrutural primário anual de 0,5% do PIB”.
Nesse sentido, defende a instituição liderada por Christine Lagarde, as autoridades devem avançar com uma revisão da despesa, “focando-se em particular em melhores formas de acompanhar os benefícios sociais, na redução dos custos na saúde e no controlo das pensões e dos salários do setor público”.
O FMI recomenda que o Governo português introduza “objetivos de despesa anuais”, para levar a cabo um ajustamento orçamental baseado na racionalização da despesa, e que “especifique medidas políticas de contenção para cumprir as metas, com foco nos salários e pensões do setor público”.
Saúde não deve ter horário de 35 horas
A receita que o FMI prescreve ao Governo português para reduzir a fatura salarial pública é clara: “isentar o setor da saúde da aplicação das 35 horas de trabalho semanais e prosseguir a consolidação da rede escolar tendo em conta o declínio da população em idade escolar, aumentar a taxa de saídas naturais para reduzir gradualmente o emprego público, reduzir o prémio salarial relativamente ao setor privado racionalizando os subsídios e os suplementos e limitar o desvio salarial através de um enquadramento do percurso profissional e da manutenção do congelamento da progressão nas carreiras além de 2018”.
Recordando que o Programa de Estabilidade prevê poupanças na fatura com os salários do setor público, o Fundo considera que existe “pouca especificação” dessas medidas e admite mesmo que é “pouco provável” que as medidas previstas no Programa de Estabilidade, como a manutenção da regra de duas saídas por cada entrada de trabalhadores na função pública, tragam poupanças significativas.
Além disso, o FMI sublinha que “a política fiscal deve ser mais estável e previsível e ter como objetivo impulsionar a competitividade e o crescimento, em vez do consumo”.
Na resposta ao Fundo que consta do documento, o Governo reiterou o compromisso com os objetivos orçamentais inscritos no Programa de Estabilidade, de um défice orçamental de 1,4% do PIB em 2017 e de redução da fatura com o setor público através de aposentações naturais e de tetos na contratação e mostrou-se confiante com os resultados do recém-lançado programa de revisão de despesa.
Por sua vez, o Fundo conclui que os objetivos orçamentais para 2017 são “ambiciosos” e que alcançá-los vai exigir “enfrentar desafios significativos de implementação”.
Banca, crescimento e derrapagem orçamental. A espiral que pode fechar os mercados
O FMI alerta ainda para os riscos de Portugal ser apanhado num efeito espiral, na sequência de problemas na zona euro que venham a ter impacto em fatores já vulneráveis da economia portuguesa. Considerando que o país tem vindo a beneficiar de um “acesso confortável” aos mercados, suportado pela política monetária do Banco Central Europeu, o Fundo sublinha que os juros das obrigações portuguesas têm estado contidos devido à expectativa dos investidores de que as políticas expansionistas do BCE vão continuar.
Mas mesmo com a almofada do BCE, Portugal enfrenta uma multiplicidade de vulnerabilidades que se alimentam umas às outras. E aponta as três áreas de maior perigo: o sistema bancário, as finanças públicas e o crescimento económico.
Qualquer desenvolvimento que degrade a trajetória da dívida pública pode desencadear uma súbita mudança no sentimento do mercado. E isso pode resultar de derrapagens orçamentais, que podem, por sua vez, ter origem na reversão de políticas ou em choques macro, ou ainda da materialização de contingências de grande dimensão, potencialmente originadas na banca.
Uma subida súbita dos custos de financiamento iria agravar a dinâmica da dívida pública e enfraquecer a liquidez do Estado. Uma reavaliação negativa das perspetivas para a economia de Portugal poderia também conduzir a uma espiral negativa. Um abrandamento da economia mundial ou uma queda na recuperação da taxa de poupança, que não tivesse como contrapartida o aumento do investimento, iria penalizar a dívida pública e privada e afetar a consolidação orçamental.
Estado pode ter de injetar mais dinheiro na banca
O documento avisa ainda que a situação da Caixa Geral de Depósitos e eventuais perdas decorrentes da venda do Novo Banco podem implicar “mais injeções de dinheiro público” no setor e defende uma “maior consolidação” na banca.
Sublinhando que “o sistema bancário exigiu uma série de intervenções financiadas pelos contribuintes nos últimos anos”, incluindo a recapitalização do Banif em dezembro de 2015, a instituição liderada por Christine Lagarde alerta para que “as necessidades de capital do maior banco, a CGD, e possíveis perdas decorrentes da venda do Novo Banco podem exigir mais injeções de dinheiro público”, em conformidade com a aplicação das regras europeias sobre as ajudas de Estado e com a diretiva de recuperação e resolução bancárias.
O Fundo refere que as “preocupações sobre dois grandes bancos estão a pesar nas perspetivas do setor” e que os mercados “estão cautelosos” quanto às “necessidades significativas de capital” do banco público, a CGD, recordando que há estimativas públicas de que estas necessidades se aproximam dos 3% do Produto Interno Bruto (PIB), valor que está a ser tomado como “possivelmente indicativo dos grandes problemas de crédito malparado noutros bancos”.
A isto acresce “outra fonte de incerteza”: a dimensão das perdas que outros bancos iriam ter de suportar se o processo de venda do Novo Banco, que recebeu uma injeção de capital público de 3,9 mil milhões de euros (2,2% do PIB), “acabar por ser dececionante”, ou seja, se esta instituição que herdou os ativos considerado não tóxicos do antigo Banco Espírito Santo (BES) for vendida por um valor inferior ao que lá foi colocado em 2014.
Por isso, o Fundo admite que o progresso destes dois bancos será “um desafio” para as autoridades e critica que “exista pouca vontade para cortar custos agressivamente e tomar medidas para diluir a presença” do Estado na CGD e no Novo Banco.
Os diretores do fundo defendem que responder às vulnerabilidades do setor bancário deve ser a maior prioridade. O regresso da banca aos lucros e do país ao crescimento económico, deve passar por uma limpeza do balanço dos bancos, o que implica resolver o problema dos crédito malparado, o que passa por mais provisões e mais capital.
Os bancos devem reduzir os custos de operação e melhorar os padrões de gestão no sentido de tomar decisões em função de critérios apenas comerciais.
Os diretores do FMI consideram positiva ideia de encontrar uma solução a nível nacional para os desafios que os bancos portugueses enfrentam, recorrendo para tal aos instrumentos previstos no quadro da regulação.
Retoma a perder força. Crescimento de 1%
Nesta análise à economia de Portugal, o FMI avisa que Portugal está a perder o fôlego. O abrandamento na atividade económica começou já na segunda metade do ano passado, não obstante as políticas macroeconómicas favoráveis.
O relaxamento orçamental e a política monetária do Banco Central Europeu tiveram como resultado um crescimento do consumo. No entanto, o crescimento económico está a ser travado pelo enfraquecimento das exportações e o fraco o investimento, uma fraqueza que tem sido reforçada por fatores como a incerteza, elevados níveis de endividamento das empresas e alguns estrangulamentos estruturais.
O FMI revê assim o crescimento do Produto Interno Bruto para 1% este ano e para 1,1% em 2917. O défice deverá ficar nos 3% do PIB este ano e no próximo. A previsão coloca a dívida pública acima dos 128% do PIB nos dois próximos anos. Em entrevista ao IMF News, o chefe da missão a Portugal, Subir Lall, deixou o sublinhado:
“Com um baixo crescimento e um investimento reduzido, mas com uma dívida soberana elevada, o que Portugal necessita neste momento é de uma consolidação orçamental acumulada de 1% do PIB ao longo de dois anos. Tal compensaria o relaxamento orçamental de 2015 e a evolução projetada pelos técnicos para este ano”.