Os seres humanos são predispostos a matarem-se uns aos outros, mostra um novo estudo publicado na revista científica Nature. Cientistas espanhóis que analisaram centenas de outros estudos e compilaram dados históricos mostraram que não são apenas os seres humanos que têm uma tendência para matar membros da mesma espécie: o mesmo sucede com os primatas. E estimaram que 2% das mortes humanas e dos grandes primatas têm como origem a violência entre comunidades ou no seio dessas comunidades.

O El País afirma que os autores do estudo analisaram dados relativos a 1.024 espécies de mamíferos (abrangendo 137 famílias de animais) durante dois anos. Os investigadores compilaram também informação sobre mortes em conflitos em 600 civilizações humanas, recuando até há 50 mil anos assim englobando o que sabemos das sociedades pré-históricas.

No jornal britânico The Guardian, Mark Pagel, um professor na Universidade de Reading que não está envolvido neste estudo, explicou que este trabalho comprova que “os seres humanos evoluíram estratégias para resolver problemas com a violência”. Ou seja, a ideia de que o homem é um lobo para o próprio homem — homo homini lupus est na famosa formulação de Thomas Hobbes, o autor de Leviatã — é verdadeira, mesmo tendo sido possível detetar que a nossa predisposição congénita para a violência pode ser modulada pelas sociedades e civilizações.

De facto os autores também mostram que a organização da sociedade, a existência de lei e de forças capazes de impor o respeito por essas normas, pode moderar a forma como os seres humanos são agressivos. Para José María Gómez não se pode afirmar que os 2% de mortes violentas que a sua equipa detetou se devem exclusivamente a fatores genéticos, pois existe outros elementos que afetam esta tendência, como “as condições ambientais e restrições ecológicas”. Em concreto, “a violência tem uma componente evolutiva, está nos nosso genes, mas isso não significa que existe um determinismo genético”.

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Mark Pagel considera no entanto que é importante sublinhar que as adaptações genéticas selecionadas ao longo de milhões de anos de evolução dos mamíferos, depois dos primatas e, por fim, da nossa própria espécie têm uma evidente responsabilidade nas tendências detetadas neste estudo. Este professor de biologia evolutiva defende que os primatas expressam “níveis relativamente elevados de violência mortal” quando comparados com outros mamíferos, por exemplo. O mesmo cientista sublinha contudo que os níveis de violência entre os seres humanos têm sofrido alterações ao longo do tempo, mas que estes cálculos confirmam a sua hipótese, sendo que o valor de 2% corresponderia ao homem pré-histórico. Entre os séculos X e XV esse valor foi mais elevado (pode ter chegado a 12%), mas diminui bastante nos últimos séculos.

O estudo foi também elogiado por Steven Pinker, um psicólogo evolutivo que publicou alguns livros em que discute precisamente o tema da violência inata na nossa espécie, nomeadamente The Blanck Slate e The Better Angels of Our Nature. Trata-se, para ele, “de uma análise criativa e minuciosa, e no essencial consistente com a minha visão da história da violência”, isto é, de que a violência tem vindo a diminuir com a evolução da civilização moderna e que vivemos hoje num tempo que e um dos menos perigosos para a nossa integridade física. “Teria gostado imenso que este estudo já tivesse sido publicado quando escrevi o meu último livro”, acrescentou Pinker: “O que procurei mostrar em The Better Angels of Our Nature aparece aqui sustentado com muito mais rigor, precisão e profundidade”.

Sendo certo que há muitos outros animais para além do homem que matam membros da sua própria espécie, sobretudo quando se trata de espécies sociais e territoriais, o que Pinker defende e este estudo reforça é que as instituições que criámos nos últimos séculos e as leis que desenvolvemos têm conseguido mitigar a nossa violência congénita. Afinal, hoje somos menos lobos para os outros homens do que no tempo de Thomas Hobbes.