A charca do Monte dos Calcinotes, no concelho de Castro Verde, que “matava a sede” a 400 ovelhas, secou completamente, devido à seca que está a desesperar agricultores do Baixo Alentejo sem água para o gado.

“Temos o problema da falta de água. Não chove. Temos o exemplo da minha charca, que todos os anos dava água para o gado” e, atualmente, está seca, conta à agência Lusa o agricultor Jacinto Mestre, de 56 anos.

Sem a charca e porque a comida nos pastos do monte era “pouca”, Jacinto mudou o rebanho para outra exploração onde há mais pasto.

Para matar a sede às 400 ovelhas, que bebem cerca de dois mil litros por dia, Jacinto só tem um poço no Monte dos Calcinotes, que “ainda dá água, mas com dificuldade”.

Através de um gerador, Jacinto tira água do poço para levar às ovelhas numa cisterna móvel da Associação de Agricultores do Campo Branco (AACB) e que transporta atrelada a um trator, o que o obriga a percorrer 10 quilómetros, dia sim, dia não.

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“No verão, o gado pode andar um bocadinho mais mal de barriga”, ou seja, comer pouco, “mas a água é fundamental”, frisa Jacinto.

Os agricultores estão com problemas em conseguir água para gado porque “há dois invernos e duas primaveras que praticamente não chove” no Baixo Alentejo, sobretudo na zona do Campo Branco, que abrange os concelhos de Castro Verde, Almodôvar, Mértola, Ourique e Aljustrel, e a maioria das reservas hídricas esgotaram, explica à Lusa o presidente da AACB, José da Luz.

A situação é “bastante grave”, alerta José da Luz, referindo que “já houve grandes secas” na região, “mas como esta não” porque “não há memória de ter deixado de correr um ribeiro”.

“Estou muito preocupado”, desabafa José da Luz, referindo que se previa o agravamento da situação se não chovesse até meados de setembro e “aí está, é o caos e as previsões para os próximos tempos não apontam para alteração”.

Também António Guerreiro, agricultor de 74 anos, que, devido à falta de água, teve de dividir o rebanho de 1.100 ovelhas por três montes, também em Castro Verde, diz à Lusa que não se lembra de “uma seca tão grande” e de um ano “tão complicado” para matar a sede ao gado.

“Há anos em que chove mais e outros menos, mas se não houver água neste poço, há noutro e a gente vai-se governando, mas uma coisa assim não me lembro”, conta.

Para dar de beber às ovelhas que pastam no Monte do Almarginho, onde duas barragens e um poço já secaram, António Guerreiro teve de “pedir ajuda” aos Bombeiros de Castro Verde, que lhe depositaram 20 mil litros de água no poço, o que custou 200 euros.

Em breve, o resto do rebanho terá de vir para o Almarginho, porque está a ficar sem água nos outros montes, e “depois vamos ver” como será para conseguir água para 1.100 ovelhas, diz António Guerreiro, referindo que está “aflito” com “tanto trabalho e tanta despesa” e sem ter para onde “empurrar” o gado para beber.

No Monte da Amendoeira, ainda em Castro Verde, Diamantino Rafael, de 64 anos, já vendeu as vacas que tinha, porque “o bicho vaca bebe mais água”.

Agora, “tenho 300 ovelhas, que bebem menos água, mas mesmo assim à rasca estou, porque tenho três poços, que não têm água”, diz Diamantino, que para dar de beber ao gado tem que percorrer 14 quilómetros, dia sim, dia não, para ir a uma ribeira buscar água numa cisterna móvel.

“Já há quatro meses que ando neste fadário, a carregar água para aguentar esta barra”, desabafa Diamantino.

No Monte das Sorraias, também na zona do Campo Branco, a nascente que matava a sede às 100 vacas de António Lúcio, de 55 anos, está quase seca e só já tem algumas poças de água, que já não serve para gado.

Para dar de beber às vacas, António Lúcio tem que percorrer, dia sim, dia não, seis quilómetros para ir buscar água numa cisterna móvel a um furo.

“Tenho esperança de que o furo vá aguentando, pelo menos nesta fase de mais calor”, diz António Lúcio, referindo que os agricultores estão “desesperados” com a falta de água para o gado.

José da Luz lembra que a AACB, no âmbito de um programa de apoio ao abeberamento de gado dos sócios, abriu furos, construiu açudes em ribeiras para reter água e comprou 30 cisternas móveis para os agricultores transportarem água em tempos de seca.

“Temos combatido um pouco o problema com estas medidas” e recorrendo a bombeiros para transportar água, mas, atualmente, “a situação é grave”, frisa José da Luz, indicando que alguns açudes, como o de Entradas, secaram, e as cisternas não chegam para as necessidades.

A AACB já fez um acordo com os Bombeiros de Castro Verde para abastecerem as explorações com “necessidade muito urgente de água” a preços “mais em conta, atendendo à situação tão grave”, e vai falar com outras corporações do Campo Branco para que também “possam acudir aos agricultores em caso de urgência”.

A situação já levou a Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (FAABA) a pedir ajuda ao ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, que se mostrou disponível para lançar uma medida de apoio a pequenos investimentos nas explorações agrícolas, como a abertura de furos de água.

“O que está em causa agora é poder abrir furos, arranjar alguma água onde quer que esteja”, explica à Lusa o presidente da FAABA, Rui Garrido, salientando que se trata de “ajudas relativamente pequenas”.

No entanto, observa, “parece que há dificuldade em colocar a medida no terreno”, e, se não for possível aplicá-la, aponta-se para “ser decretado o estado de calamidade na zona e por aí haver uma ajuda”.

Aos agricultores resta aguentarem-se como podem e esperarem pela tão desejada chuva e por alguma ajuda do Governo.

“Para repor o que falta de água, é preciso vir uma invernada daquelas que tudo tem de transbordar. Esperamos que ela venha, venha a água que vier, mas que venha rapidamente, porque só assim se pode ter alguma esperança”, remata José da Luz.