A noite desta quarta-feira era para explicar o Orçamento do Estado para 2017 aos socialistas, mas António Costa não escapou ao assunto do dia — que tinha contornado à tarde no Parlamento — dos salários da nova administração da Caixa Geral de Depósitos. A indignação com os vencimentos conhecidos há dois dias surgiu de uma mulher da plateia de socialistas e o líder do partido deixou a questão para o fim da sessão: “Pode ser impopular o vencimento, mas eu não arrisco a má gestão da Caixa”.

“É uma vergonha o salário do presidente da Caixa Geral de Depósitos. Como é possível alguém ganhar tanto dinheiro assim?”, perguntou a militante do partido (tratou António Costa por “meu camarada”) que participava na conferência organizada pela Federação da Área Urbana de Lisboa (FAUL) do PS, provocando manifestações de desagrado na sala do Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, cheia de socialistas. António Costa não fugiu à questão, como fez durante o dia, e — apesar do esgar que fez quando ouviu a palavra “vergonha” — argumentou:

A Caixa concorre no mercado como todos os outros bancos e tem de trabalhar no mercado como trabalham os outros bancos. Não é possível que tenha um ordenado alinhado pelo vencimento do primeiro-ministro [como pretende do PCP] e não pelo vencimento normal praticado na banca”.

Aliás, Costa disse mesmo que a capitalização da Caixa foi autorizada para que o banco pudesse “funcionar normalmente no mercado e ser o grande estabilizador do nosso sistema financeiro e dar segurança a todos”.

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Na pele de secretário-geral do PS, o primeiro-ministro ainda gracejou: “Infelizmente o ordenado do primeiro-ministro é inferior ao praticado na banca”. Para logo a seguir acrescentar: “Se queremos uma Caixa bem gerida, com capacidade técnica e independência, temos de oferecer aos gestores da Caixa as mesmas condições dos gestores dos outros bancos. Se não, estamos a ter um banco a concorrer em condições de mercado inferiores”.

Promessas, pensões e nova taxa (e ainda uma velha)

Foram cinco minutos finais que acabaram por marcar a sessão onde Costa garantiu aos socialistas que “não há nenhuma proposta neste Orçamento que contrarie o que constava no programa eleitoral do PS”. E justificou desde logo os temas mais quentes, detalhando que a nova taxa adicional de IMI vai permitir seis anos extra de equilíbrio para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social e que a sobretaxa se mantém além do dia 1 de janeiro do próximo ano (ao contrário do que o Governo tinha aprovado no final do ano passado), mas a proposta do PSD e do CDS era pior.

Na intervenção que fez no início do encontro de socialista, no Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, em Lisboa, António Costa passou em revista algumas das principais medidas do Orçamento do Estado, dedicando mais tempo ao aumento das pensões, que detalhou dizendo que houve algumas pensões que “apesar do congelamento não tiveram atualizações extraordinárias”, que há pensões mínimas que “nunca tiveram atualização e agora vão ter” e ainda que “não se pode confundir pensões baixas com carências de recursos”.

Em matéria de pensões, neste caso de pensões futuras, o líder socialistas deu uma garantia: seis anos extra de alívio para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Como? Com a receita da taxa adicional do IMI que vai servir para “fortalecer o Fundo” e garantir “não o pagamento das pensões de 2017, mas das pensões futuras”, disse Costa, fazendo contas à nova receita:

Permitiu alargar em seis anos o Equilíbrio do Fundo de Estabilização da Segurança Social, para mais de metade da década de 40 deste século”.

Já quanto à sobretaxa de IRS — que afinal vai manter-se — Costa nem chegou a ser questionado pelos socialistas que o viram aprovar no final do ano passado uma lei a definir que a cobrança acabava totalmente no dia 1 de janeiro de 2017. Mesmo assim, o socialista antecipou argumentos, começando pela parte do copo meio cheia: “Fazer um Orçamento implica ter objetivos e fazer escolhas. Podíamos ter decidido não criar o adicional do IMI ou não acabar com a sobretaxa para ninguém”. Mas logo a seguir lembrou que apesar de a sobretaxa só deixar de existir, para todos os escalões, em dezembro de 2017, “a proposta da direita era manter a sobretaxa até ao final da legislatura”.

E também explicou que a lógica em matéria fiscal foi “não aumentar os impostos que todos pagam e aumentar os que só alguns pagam”, referindo-se especificamente às alterações aos impostos sobre refrigerantes ou sobre os cartuxos de balas. Sobre a duplicação da taxa aplicada ao alojamento local (para a aproximação ao arrendamento normal), Costa justificou-a com o bom desempenho do setor do turismo, considerando que isso não afetará o mercado: “Está aí o turismo para puxar pelo alojamento local”. Uma posição que, momentos depois, havia de ser partilhada também perante o auditório pela secretária de Estado do Turismo, que Costa convidou a falar sobre este tema e que ainda acrescentou que até agora “apenas 15% do rendimento era tributável” e passou a 35%. “Este ano já foram legalizadas “10 mil unidades de alojamento local”, contabilizou ainda Ana Mendes Godinho.

Num resumo, Costa disse que o Orçamento que apresentou tem cinco marcas:

  1. Aumentar o rendimento disponível das famílias – aqui o primeiro-ministro inclui o fim faseado da sobretaxa de IRS ao longo do ano, a extinção da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, a atualização dos escalões de IRS de acordo com a inflação, a continuação do aumento do salário mínimo, o desbloqueio da contração coletiva, mas principalmente do aumento das pensões: tanto a atualização de acordo com a lei de bases (de acordo com a inflação) como o aumento extraordinário de dez euros em agosto (excluindo pensões mínimas).
  2. Voltar ao investimento – “aumentar o investimento público” e “melhorar o investimento privado” ;
  3. Reforçar a sustentabilidade da Segurança Social – o objetivo é reforçar as fontes de financiamento da Segurança Social e é neste ponto que Costa refere a criação do Adicional ao IMI e em como a receita que daí vier será usada para aliviar, em seis anos, a pressão sobre o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social;
  4. Competitividade – a “chave é investir na ciência e na cultura”, garantiu o líder socialista;
  5. Dinamizar a economia – aqui o socialista admite que o “contexto não é favorável”, mas justifica a desaceleração do crescimento da economia com a revisão em baixa.

O socialista ainda guardou uns minutos para falar dos “compromissos assumidos com o PCP, Bloco de Esquerda e Verdes” que “não contrariam” o programa do PS e que cumpriu “tudo” desses acordos que seguram o Governos socialista no Parlamento. E que, apesar das divergências em matérias europeias entre os parceiros, o Governo “cumpriu as regras que estão em vigor e continuará com a redução do défice nominal e estrutural. Cumpriremos os compromissos com a União Europeia”, disse a mais de uma centena de socialistas que o ouviam.