Um dia Marta* achou que ia morrer. De um momento para o outro parecia que o coração ia explodir ou parar de bater sem que nada nem ninguém pudesse ajudá-la. E estavam todos lá, de volta dela. Sofia* não considerou a morte, mas o pânico tomou conta dela quando percebeu que não tinha forças para se levantar do sofá, que as pernas e os braços não reagiam e a língua estava presa. Era como se tivesse desmaiado, embora estivesse consciente. Tanto Marta como Sofia, ambas com mais de 30 anos, tiveram um ataque de ansiedade.

O tema não é novo, mas continua a ser debatido: em conversas de café, em consultórios especializados ou nas páginas dos livros. A obra Como Viver Sem Ansiedade, do psicólogo clínico Lee Kannis-Dymand e da professora universitária de psicoterapia clínica Janet D. Carter, não é exceção. No livro agora lançado em Portugal são explicados conceitos como ansiedade, preocupação ou pensamento distorcido, mas é também apresentado um método para ultrapassar a doença mental que, segundo dados de 2013 publicados em 2015, afeta 16,5 por cento da população portuguesa, com maior prevalência nos jovens entre os 18 e os 34 anos — é a doença mental mais prevalente no país.

O livro chegou ao mercado a 11 de novembro e aposta em técnicas da terapia cognitivo-comportamental. Tem vários exercícios que, no final, prometem ajudar a combater a ansiedade. Mas antes de enfiar a cabeça nas suas quase 400 páginas, aproveite o guia que fizemos com base na informação que nele consta: preparámos perguntas e damos respostas sobre a tão falada ansiedade.

Como viver sem ansiedade

O livro da editora Pergaminho chegou às livrarias do país a 11 de novembro. Está à venda por 17,70€.

O que é e como se manifesta a ansiedade?

Antes de avançarmos para explicações mais profundas, convém ter em conta que todos nós, de uma forma ou outra, sentimos ansiedade, a qual tem potencial para ser stressante ou até mesmo incapacitante. Outro ponto assente é que quem sofre de ansiedade não é mais fraco por isso, sobretudo tendo em conta que é uma doença mental particularmente comum. Para melhor explicá-lo, os autores do livro apresentam uma curta mas significativa lista de personalidades com dificuldades em gerir a ansiedade, desde os músicos Adele e Robbie Williams aos atores Jennifer Lawrence e Johnny Depp. Não, não está sozinho/a nisto.

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A ansiedade em si não é um problema, antes o seu excesso, até porque esta pode ser-nos útil dependendo das situações. Uma viagem ao passado, ao princípio da espécie humana, serve de justificação, até porque era nos tempos em que tínhamos de sobreviver a um exterior selvagem (e fugir de um leão) que a ansiedade assumia-se como chave:

Basicamente a ansiedade faz-nos mover mais rapidamente, em fuga do que quer que seja que nos esteja a ameaçar, ou então prepara-nos para lutar contra a ameaça. Por vezes a ansiedade pode fazer as pessoas sentirem-se tão oprimidas que paralisam, da mesma forma que um veado que foi perseguido por um tigre se imobilizará para passar despercebido. A isto costuma chamar-se resposta de luta, fuga ou imobilização.

Passaram-se milénios e os nossos corpos continuam a reagir assim à ameaça: ideia semelhante foi a que a psicóloga Carolina Justino deu em agosto do ano passado, ao falar do stress como uma reação que o ser humano tinha quando era nómada, quando tinha de fugir para sobreviver. O problema é quando a ansiedade parece surgir do nada, sem qualquer ameaça evidente à vista.

Como se define, então, a ansiedade? Os autores referem que esta pode ser percebida como “um estado mais duradouro de ameaça ou apreensão que envolve medo mas também a crença de que certas coisas ou situações são incontroláveis ou incertas”. A ansiedade é vista como o estarmos continuamente em modo ameaça e pode ser sentida de várias formas:

  1. através da nossa forma de pensar, no sentido em que os nossos pensamentos podem já estar viciados, tal qual um dado num jogo de tabuleiro, vendo perigo em situações que não representam ameaças; a preocupação é também um elemento fundamental, tida como uma “cadeia sem fim de pensamentos ansiosos contínuos e repetitivos” considerando algo de mau que pode vir a acontecer;
  2. através das emoções, que envolvem sentimentos como medo, nervosismo ou apreensão, mas também a sensação de vergonha pelo facto de nos sentirmos ansiosos; na equação entra ainda a frustração, quando a ansiedade nos impede de fazer algo, ou a tristeza e desânimo quando esta se torna constante;
  3. através da reação física, que passa por um ritmo cardíaco mais acelerado, aperto no peito e respiração superficial, músculos tensos, tonturas ou fraquezas, calor e um certo desligamento do que se passa em nosso redor; outros sintomas incluem dores de cabeça, agitação, suor e cansaço;
  4. através do nosso comportamento, que inclui evitar situações com potencial para desencadear ansiedade, procurar a perfeição ou ser-se excessivamente controlador em relação a si e aos outros que o rodeiam.
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A ansiedade envolve sentimentos como medo, nervosismo ou apreensão, mas também a sensação de vergonha pelo facto de nos sentirmos ansiosos e frustração. (Foto; iStockphoto/OcusFocus)

Como é que a ansiedade afeta a nossa vida?

De uma forma sucinta, a ansiedade tem potencial para diminuir a nossa qualidade de vida e não é muito difícil de perceber porquê: a preocupação e a ansiedade que lhe está associada são bem capazes de provocar stress emocional que, por sua vez, tem impacto no dia-a-dia, seja em casa, no trabalho ou na escola. A concentração mas também a memória sofrem um revés e até as relações mais e menos pessoais podem ser afetadas. Nesse ponto importa mencionar que o facto de recorrermos constantemente a uma pessoa em particular em busca de apoio ou da sensação de segurança nem sempre é uma coisa boa:

Apesar de poder ser útil, quando a preocupação ou a ansiedade é o princípio ativo dessa busca de apoio, a procura contínua de tranquilização poderá exaurir os nossos entes queridos e tornar tensas as relações que temos com eles.”

Outra situação é o facto de pais excessivamente preocupados ou ansiosos poderem transparecer essa realidade aos mais pequenos e, assim, influenciá-los, no sentido de aprenderem ou adotarem estas formas de resposta ao stress.

Transtornos de ansiedade. O que é isso?

Venham primeiro os números: a ocorrência atual de transtornos de ansiedade a nível mundial diz respeito a 7,3 por cento, sugerindo que 1 em cada 14 pessoas em qualquer canto do globo acaba por vir a sofrer de um transtorno, escrevem os autores do livro. “Estima-se que entre 11 a 22 por cento da população mundial sofrerá de transtorno de ansiedade a certa altura, o que significa mais de 1 em cada 5 pessoas”, continuam.

O transtorno acontece quando a ansiedade se torna insuportável e começa a afetar o nosso quotidiano. Regra geral é o resultado de uma combinação de fatores: em causa pode estar uma predisposição genética ou biológica, mas também experiências na infância ou uma situação que tenha despoletado a ansiedade — como ser-se abandonado por um dos pais ou ter perdido um membro da família, ter sofrido um acidente, ter sido alvo de bullying ou ter sido muito doente.

Escrevem ainda os autores que existem vários transtornos de ansiedade, embora destaquem um conjunto de sintomas comuns a todos eles:

  • “crença de que algo de errado vai acontecer no futuro;
  • preocupação constante e pensamentos ansiosos que são difíceis de controlar;
  • manifestações físicas de ansiedade, como subida do ritmo cardíaco, tremuras, pânico, calor, o estômago às voltas ou tensão muscular;
  • sentir-se receoso, nervoso ou ansioso;
  • evitar coisas ou situações que se crê que possam espoletar a ansiedade ou agravá-la”.

E o que dizer sobre o transtorno de ansiedade generalizada (TAG)? Preto no branco, é o estado de preocupação crónica, é quando a preocupação é repetitiva, praticamente diária e até difícil de controlar. Quando é também habitual por um período de pelo menos seis meses. Os sintomas associados à TAG podem incluir “inquietação, cansaço e falta de energia, tensão muscular, dificuldades de concentração e irritabilidade”, sendo que os ataques de pânico também ocorrem.

O TAG é um dos problemas mentais mais comuns e costuma desenvolver-se por volta dos 30 anos, ainda que a maioria das pessoas que o sintam se recordem de se sentir ansiosas ou nervosas um pouco durante toda a vida. “A gravidade e a frequência da preocupação e ansiedade em pessoas com TAG tendem a oscilar ao longo da vida, indo do contínuo e persistente ao menos intenso.”

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Em situações extremas, a ansiedade dá origem a sentimentos depressivos. (Foto: istock/ KatarzynaBialasiewicz)

O que posso fazer para reduzir a ansiedade?

O livro compreende quase 400 páginas onde constam várias estratégias para aumentar o bem-estar e, consequente, reduzir a ansiedade. Algumas delas entram na categoria de estratégias fisiológicas, onde se incluem as seguintes propostas:

  • exercício físico, sendo que a sua prática regular é capaz de aliviar os sintomas depressivos e baixar os níveis de irritabilidade; os autores do livro sugerem 20 a 30 minutos de exercício de intensidade moderada três ou quatro vezes por semana;
  • relaxamento muscular progressivo, que ajuda a diminuir a tensão arterial e o batimento cardíaco, além de reduzir os níveis de cortisol e o cansaço e melhorar os ciclos de sono;
  • respiração lenta, que pode não ser eficaz para todos os tipos de transtornos, mas é uma boa ajuda para quem sofre de TAG; esta é uma estratégia de rotina e, tal como o exercício físico, deve ser regular;
  • atividades prazerosas, que “são uma boa ferramenta para usar contra a ansiedade, pois ajudam-no a cuidar de si e grande parte das vezes reduzem as reações físicas que sustentam a preocupação e a ansiedade”.

“Quando a sua atenção está focada na preocupação, está a ser privado/a de sentir o momento presente. Se a sua atenção está a ser consumida pela preocupação e ruminação, e pela consequente angústia e ansiedade, não sobra atenção para mais anda. Daí que seja difícil resolver problemas, aprender ou memorizar coisas, estar concentrado ou pensar com clareza.”, escrevem os autores.

É a pensar na atenção — na necessidade de a controlar e de a trazer para o aqui e agora — que o psicólogo e a académica listam estratégias para lhe conceder maior flexibilidade. Entre elas está o tão falado mindfulness, cuja ideia principal passa por prestar atenção ao presente de modo intencional.

E o que é que não posso fazer?

Isolar-se está fora de questão: além de ficar sem apoio, o facto de estar sozinho faz com que seja especialmente difícil ver as coisas em perspetiva. Na verdade, estar com outras pessoas permite ficar a par de pontos de vista à partida menos negativos do que o seu. E não, pensar em demasia nas coisas não é forma de aliviar a ansiedade e/ou o stress, bem pelo contrário.

Outra coisa a evitar é consumo de álcool (ou de outras substâncias) para lidar com os problemas. É que a sensação de diminuição de stress é, nestes casos, passageira, sendo que o álcool abranda o funcionamento do cérebro e do sistema nervoso, e não induz uma boa noite de sono.

Comer em demasia ou virar-se para doces e fast food também está longe de ser solução — há inclusive vários estudos que relacionam o stress com o aumento de peso. E por falar em excessos, quando estamos sob o efeito do stress, os nossos hábitos de consumo também podem ficar descontrolados.

Já agora, como deve agir quem apoia pessoas ansiosas ?

Primeiro é preciso perceber que quem sofre de ansiedade tem um problema que precisa de ser resolvido e, como tal, não pode nem deve ser apressado/a: esperar que alguém ultrapasse a ansiedade com celeridade é irrealista e faz a pessoa sentir-se mais pressionada, garantem os autores. Mas a solução também não passa por dizer um “está tudo bem”, uma vez que isso apenas vai gerar um alívio momentâneo, nem um “deixa-te disso”, que pode agravar a condição de ansiedade.

Uma ideia positiva passa, então, por conversar com quem sofre de ansiedade sobre como lidar com isso, além de se informar para melhor ajudá-la.

*Nomes fictícios. Estas pessoas não quiseram ser identificadas.