Não podíamos ter terminado de melhor forma a nossa viagem de quase cinco meses pela América do Sul. Deixámos para o fim a pérola do Rio de Janeiro, que na lua-de-mel tínhamos elegido como a cidade mais bonita do mundo. Voltar agora com os filhos à Cidade Maravilhosa seria uma espécie de apoteose final.

Depois de termos passado por tantas hospedagens manhosas, resolvemos que o último hotel seria melhorzinho e escolhemos o Vila Galé, que fica num edifício antigo recuperado, na animada zona da Lapa. E além do mais era português. Ali passámos as manhãs, enfiados na piscina, depois de um pequeno-almoço de lorde.

Como estávamos próximos do Centro, aproveitámos para explorar essa zona que sofreu grandes melhorias, inclusive ao nível da segurança, para os grandes eventos desportivos que o Rio acolheu. Entre as ruas estreitas de comércio tradicional, descobrimos notáveis edifícios de construção portuguesa, como a Confeitaria Colombo (ao estilo do nosso Majestic), ou as Igrejas de Nossa Senhora do Carmo e de Nossa Senhora da Candelária. Avançámos pelos passadiços de madeira, fruto da regeneração urbana da zona portuária, até ao Museu do Amanhã, desenhado por Calatrava.

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Os bares e restaurantes da Lapa enchem-se de gente ao anoitecer e a música ao vivo espalha-se pela Rua Mem de Sá. Não podendo ir com os miúdos para bares, conseguimos encontrar um restaurante onde eles puderam desenvolver um estilo peculiar de dançar samba. E não perdemos a oportunidade de ir tirar a foto da praxe na colorida Escadaria Selarón.

Desta vez, deixámos o Pão de Açúcar fora da lista, o desafio às minhas vertigens ficou-se pela subida ao Cristo Redentor. E há lá coisa mais bonita que aquela vista de 360 graus sobre os encantos mil desta cidade! Impossível não nos deslumbrarmos perante a visão de postal onde se misturam o branco dos prédios, o verde dos morros e o azul do mar. Sem pressas nem horários a cumprir, demo-nos ao luxo de ficar mais de uma hora ali sentados, numa de contemplação, à espera que o Manel acordasse, para também ele poder apreciar o momento (o que importa se se vai lembrar ou não?) e para ficarmos com mais esta fotografia de família para o álbum que já vai longo.

Outro dia foi dedicado às praias da zona sul, claro está. Esparramados ao sol em Ipanema, com um calor acima dos 30ºC, assistimos ao desfile de fios dentais e sungas, e a toda a parafernália de produtos que ali se apregoam: salgados libaneses, biscoitos Globo, espetadas de camarão, caipirinhas e cerveja. E, por falar em caipirinha, não podíamos sair do Rio sem o cliché de beber uma no calçadão de Copacabana.

Mas a estadia no Rio não foi só turismo, houve também ocasião para um “Ponto de Encontro” familiar. Entre os 16 irmãos do meu avô materno (que viria a ter também 17 filhos), houve três que emigraram para o Rio de Janeiro. Dois destes meus tios-avós morreram sem deixar descendência. O terceiro teve uma filha que morreu nova, deixando por sua vez uma filha, que hoje tem quatro filhos. Graças à internet, descobrimos há poucos anos os primos do Brasil, e agora pudemos finalmente conhecê-los ao vivo — fomos jantar a casa deles, levaram-nos a jantar fora e ainda nos encheram de presentes.

O nosso voo de regresso partia de São Paulo, por isso ainda lá voltámos para os últimos dias. Fomos muito bem recebidos em casa do amigo Leopoldo, e somámos as últimas experiências da viagem: a visita à exposição de artistas portugueses no Museu Afro Brasil; a estreia da Luísa e do Manel num restaurante japonês; a preparação do último jantar, um bacalhau com broa, regado com vinho do Cartaxo.

E finalmente levantámos voo do continente americano, de volta à nossa querida Lisboa, onde aterrámos exatamente 20 semanas depois da partida. Na escala em Zurique, explicámos ao Manel que só faltava mais um avião para chegarmos a casa. “A casa de quem?”, perguntou. Já quase não se lembrava de que também tinha uma.

O day after

Como foi aterrar passado tanto tempo?, têm-nos perguntado. Ainda estamos a aterrar, temos respondido.

É verdade que, por um lado, nos atirámos de cabeça para a “vida real”: no dia seguinte à nossa chegada, a Luísa e o Manel estavam no infantário (ela bem mais contente do que ele), eu a fazer uma direta para entregar uma tradução e a Maria a bater à porta de empresas de enfermagem. E até conseguimos que eles passassem a adormecer (mas não necessariamente acordar) no seu quarto, depois de tanto tempo a partilhar a cama com os pais. Mas, por outro lado, há muitas coisas que nos ficam desta experiência e que só vamos digerir com o passar do tempo — como o tempo que damos aos filhos para libertarem a criatividade, a liberdade com que gerimos o nosso tempo face aos convites ou o equilíbrio de tempo entre trabalho e família. No fundo, tempo, tempo, tempo. Coisa que não nos faltou na viagem, e que não tem de nos faltar aqui.

Na próxima semana, farei uma última crónica com o balanço destes cinco meses de viagem com os filhos na mochila. Deixo já o convite para que nos continuem a seguir no Facebook, no Instagram e no blogue O Verbo Ir, porque “o fim de uma viagem é apenas o começo de outra”.