No dia em que a Assembleia da República discutiu o novo regime de valorização profissional dos funcionários públicos, um diploma que substitui, na prática, o regime de requalificação desenhado pelo anterior Governo PSD/CDS, a crispação entre os dois blocos parlamentares saltou (mais uma vez) à vista. Em uníssono, PS, Bloco de Esquerda e PCP acusaram o Executivo de Pedro Passos Coelho de ter liderado um ataque aos funcionários públicos, movido por uma “aversão ideológica profunda à coisa pública”. À direita, PSD e CDS responderam às críticas lembrando a herança de José Sócrates e acusando o Governo de António Costa de ter desistido de reformar o Estado e o país.

A primeira a abrir as hostilidades foi Carolina Ferra, secretária de Estado da Administração e do Emprego Público, para explicar o que distingue este programa do “fracassado processo de requalificação” executado pelo anterior Governo. Para a Governante, de resto, o anterior programa mais não fez do que oferecer uma “alegada formação profissional, sem carácter sistemático e obrigatório”, impor reduções remuneratórias, criar situações temporárias de mobilidade e, por fim, eliminar postos de trabalhos.

O Governo socialista, explicou Carolina Ferra, propõe-se agora a aplicar um “procedimento claro e transparente”, com uma “aplicação efetiva de formação profissional”, “sem restrição de direitos” e assente numa efetiva “integração” dos trabalhadores que entrem neste programa. E deixou uma garantia: depois de o trabalhador terminar o periodo de três meses previsto para a valorização profissioonal será “integrado em posto de trabalho porque o regime está desenhado em função disso”.

Os argumentos da secretária de Estado não convenceram os grupos parlamentares de PSD e CDS. Carla Barros, deputada social-democrata, acusou o Governo de estar a tentar fazer passar um diploma “opaco e pouco objetivo” que ignora três aspetos fundamentais: “a valorização e a dignidade do trabalhador”, “um serviço público de elevada qualidade a prestar ao cidadão e às empresas” e o impacto que pode vir a ter “no bolso dos trabalhadores”.

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A deputada do PSD afirmou ainda que os socialistas têm “um cadastro muito mau” no que diz respeito à função pública, lembrando, primeiro, os aumentos salariais “eleitoralistas” de José Sócrates em 2009, e, depois, os cortes salariais e os despedimentos dos funcionários públicos em plena crise.

Filipe Anacoreta Correia, do CDS, juntou-se às críticas de PSD e acusou o Governo socialista de estar a “capitular” perante as pressões dos parceiros parlamentares e dos sindicatos e a “retroceder em mais de dez anos”, desistindo de “uma reforma do Estado e do país”.

Na resposta, a deputada socialista Wanda Guimarães sugeriu que o debate tinha provado que PS e PSD têm dois “modelos antagónicos de sociedade”, sendo que os sociais-democratas têm sido movidos por “uma aversão ideológica profunda à coisa pública”. Para a deputada socialista, o que o Governo se prepara para fazer é acabar com um “regime humilhante e ineficaz”.

Tiago Barbosa Ribeiro, também do PS, acabaria por devolver as críticas a PSD e a CDS: “O vosso registo criminal não está limpo”, afirmou o socialista, referindo-se aos cortes nas pensões e salários, à supressão de feriados, aos “despedimentos forçados na Administração Pública”, ao aumento do horário do trabalho e aos “ataques aos sindicatos”.

Também Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, preferiu centrar a sua intervenção no anterior regime de requalificação. Para a bloquista, de resto, o anterior programa mais não foi do que “uma fraude”, “um dos maiores ataques à função pública” e um “esquema muito mal disfarçado de despedimento coletivo”.

A deputada comunista Rita Rato ajudou a completar: ao contrário do que o anterior programa de requalificação previa, este não passa por “cortar salários, despedir trabalhadores, cortar direitos ou privatizar serviços”. E ao contrário do que defendem PSD e CDS, concluiu a deputada do PCP, “não há trabalhadores nem serviços públicos a mais”.

Quais são as regras do regime de valorização dos funcionários públicos?

Em linhas gerais, o Governo de António Costa espera, com este regime, colocar e valorizar os funcionários públicos que, devido a “processo de extinção, fusão ou reestruturação de serviços e por racionalização de efetivos deixem de ter lugar nos novos mapas de pessoal”.

No entanto, e ao contrário do regime de requalificação do Governo PSD/CDS, este novo programa não prevê cortes salariais para os trabalhadores que venham a integrar o novo regime. Os funcionários públicos nestas condições manterão “a categoria, posição e nível remuneratório detidos no serviço de origem, à data da colocação naquela situação”, como pode ler-se na proposta do Governo. Mantêm igualmente o direito a subsídios de férias e de Natal e a contagem de tempo para a reforma.

Estes funcionários, selecionados em função de uma avaliação de desempenho nos três períodos imediatamente anteriores ao ano em que ocorre o procedimento, terão de cumprir um programa de valorização que não pode exceder os três meses.

Teoricamente, o funcionário em regime de mobilidade deve ser colocado num posto de trabalho que se situe no mesmo concelho do serviço de origem. A transferência para serviços a mais de 60 quilómetros do concelho de origem só poderá acontecer com o acordo do trabalhador, que terá direito a subsídio de deslocação e a subsídio de residência durante 12 meses, assim como outros incentivos.

Se mesmo assim, e depois de decorrido o período de valorização de três meses, o funcionário público não garantir colocação, será integrado na secretaria-geral do ministério do serviço de origem “em posto de trabalho a prever no mapa de pessoal”, pode ler-se na proposta do Governo.

Este último ponto, em especial, mereceu duras críticas de PSD e CDS, com sociais-democratas e democratas-cristãos a acusarem o Governo socialista de estar prestes a transformar os ministérios em “gigantescas prateleiras” de funcionários públicos. O diploma do Governo vai ser votado na generalidade esta sexta-feira e depois discutido na especialidade.