José Sócrates anunciou esta sexta-feira que vai processar o Estado português pela demora da investigação da Operação Marquês. Numa conferência de imprensa no Hotel Altis — onde tradicionalmente o PS celebra as noites eleitorais –, o antigo primeiro-ministro anunciou: “Entreguei hoje no tribunal competente uma ação contra o Estado. Se o Estado não arquiva, nem acusa, acuso eu.” O antigo governante explica que o fundamento da ação contra o Estado é a “escandalosa violação dos prazos máximos legais do inquérito”, já que “o prazo mais longo previsto no Código de Processo Penal é de 18 meses. Este inquérito decorre há 42 meses”.

O antigo primeiro-ministro lembra que não tem definida a indemnização que irá pedir ao Estado, já que isso “será o tribunal a decidir”. Não tem, no entanto, dúvidas de que quer ser ressarcido “pelos prejuízos causados ao longo de todo este inquérito. E não vai ficar por aqui. Sócrates lembra que é a primeira vez que processa o Estado e admite recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e só não o fez porque ainda não esgotou “todos os recursos no sistema nacional”.

Ladeado pelos dois advogados, Pedro Delille e João Araújo, o antigo primeiro-ministro desenhou depois a história deste processo, que sintetizou como: “Detenção abusiva, prisão para investigar, maldosas imputações sem fundamento, campanha de difamação”. Para Sócrates está provado que “este processo nunca foi uma investigação a um qualquer crime, mas uma perseguição pessoal que só pode ter na sua origem uma evidente motivação política.”

O ex-primeiro-ministro diz que vai processar o Estado por “todos os prejuízos causados” e diz que “ninguém pode ser considerado suspeito toda a vida sem poder defender-se”. José Sócrates lembra que esta é a primeira vez que processa o Estado português e admite recorrer também para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

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José Sócrates centra a ação nos “prazos máximos” do Código de Processo Penal, já que adverte que “a lei não é uma indicação, não é um conselho. A lei é imperativa. E por uma forte razão: do outro lado estão os direitos dos indivíduos, nomeadamente o direito a não ser considerado suspeito eternamente”. Disse ainda compreender que alguns casos demorem mais tempo pela complexidade da investigação, daí que o seu próprio Governo tenha alargado o prazo para dezoito meses, os mesmo que alerta já terem sido esgotados.

O principal arguido da “Operação Marquês” fez ainda um relato do seu caso que podiam ser trechos de O Processo de Kafka. “Sou perseguido”, “não sei do que sou acusado”, fui “preso ilegalmente”. E disse que quando era primeiro-ministro não se apercebeu que “era possível, em Portugal alguém ficar preso um ano sem acusação.” E atirou: “Pensamos sempre que só acontece aos outros”.

Numa expressão que tem estado na moda nos últimos tempos devido à política de comunicação do novo presidente dos EUA, José Sócrates disse que, na sua versão, “não há factos alternativos”. E que, portanto, todas as acusações contra si foram um “enorme embuste.”

Durante a intervenção, Sócrates não deu muitos detalhes sobre o processo, mas voltou a repetir — após a pergunta de um jornalista — que já pagou “250 mil euros” ao amigo Carlos Santos Silva e que falta apenas pagar “uma pequena parte do empréstimo”, referente ao funeral do irmão. “Eu insisto em pagar, ele insiste em não receber”, acrescenta José Sócrates.

José Sócrates acusou ainda as autoridades de fazerem uma “permanente e maldosa campanha pública de difamação” com “suspeitas atrás de suspeitas, que têm a particularidade de se negarem umas às outras”. Elencou depois o que chamou de “três andamentos do processos”. O primeiro relativo ao Grupo Lena, dizendo que é hoje “evidente para todos” que eram “falsas e injustas” as acusações de favorecimentos em projetos como o Aeroporto, a Parque Escolar ou o TGV. Tudo, no entender de Sócrates, “um monumental embuste.”

O segundo andamento, é relativo à aprovação do Plano Regional do Ordenamento do Território do Algarve (PROTAL) e o alegado favorecimento ao empreendimento Vale do Lobo. Ora, para o antigo primeiro-ministro, o PROTAL “não permitiu nem mais um metro quadrado de construção” e ainda “obrigou a construir menos lotes junto à costa”.

O terceiro andamento está relacionado com a empresa PT, garantindo que no processo da OPA sobre a empresa o Governo decidiu adotar uma posição de “estrita neutralidade“. Sócrates garante que é “absolutamente falso” que tenha dado à Caixa Geral de Depósitos qualquer orientação de voto”.

Sócrates tentou também demarcar-se de Ricardo Salgado, dizendo que o Governo decidiu opor-se à venda da Vivo por parte da PT apenas “por uma razão estratégica: a presença no Brasil.” O antigo primeiro-ministro diz ainda que essa venda tinha como “único objetivo vislumbrável distribuir dividendos pelos seus acionistas”. Logo, a decisão do Governo “foi contrária aos interesses de muitos acionistas, como foi o caso do BES”.

O antigo primeiro-ministro deixou ainda críticas aos jornalistas, a quem “pouco interessa” os direitos fundamentais. José Sócrates recusou-se mais uma vez a responder a perguntas do Correio da Manhã (“por não confiar na independência”) e entrou em despique ao jeito dos tempos de “animal feroz” com o jornalista da SIC que lhe tentou colocar perguntas mais incómodas e sobre detalhes do processo.

José Sócrates é um dos 20 arguidos da Operação Marquês, cuja decisão da investigação do Ministério Público será conhecida a 17 de março, estando indiciado por fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva para ato ilícito.

Entre os outros arguidos está o ex-presidente do BES Ricardo Salgado, os empresários Carlos Santos Silva, Helder Bataglia, Joaquim Barroca, Paulo Lalanda de Castro, administrador da Octapharma em Portugal, Diogo Gaspar Ferreira e Rui Mão de Ferro, Inês Pontes do Rosário (mulher de Carlos Santos Silva), o advogado Gonçalo Trindade Ferreira, e Bárbara Vara, filha de Armando Vara, bem como a ex-mulher de José Sócrates, Sofia Fava.