Uma figura política “atípica” que “ganhou as presidenciais a prometer construir pontes e sarar feridas — e cumpriu”. Assim começa a introdução do El País à entrevista do Presidente da República ao diário espanhol, onde Marcelo Rebelo de Sousa estende os elogios ao Governo socialista apoiado pelos partidos de esquerda. O Chefe de Estado não o disse, nunca o mencionou, mas parecia querer dar um exemplo de entendimento político que não foi possível em Espanha nos últimos anos levando a impasses políticos permanentes.

Na mesma linha das mais recentes intervenções no plano interno, Rebelo de Sousa voltou a reforçar ao El País que nada há de instável no acordo de esquerdas que governa Portugal. “Superou as expectativas”, afirma o Presidente português, e explicou:

Ninguém sabia como de desenrolaria o compromisso em torno de um programa de esquerda moderado pelo Partido Socialista com partidos que, em teoria, têm dúvidas sobre a NATO, sobre o euro e sobre as políticas de Bruxelas”.

O Presidente da República repete lá fora os mesmo elogios aos resultados da solução governativa que faz cá dentro: “Os círculos financeiros internacionais dizia-me no início desta experiência que eram céticos sobre a continuidade dos compromissos europeus de Portugal. Mas depois de dois primeiros trimestres difíceis com um crescimento do PIB quase nulo, o Governo demonstrou que conseguia manter o controlo de um défice baixo; há uma recuperação do emprego e um maior crescimento do PIB”. Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou ainda que isto só foi possível porque o Governo decidiu “aceitar o essencial do compromisso europeu de Bruxelas”.

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Sobre o atual estado da Europa, e dos populismos, cujas raízes crescem no sub-solo de muitas democracias ocidentais, Marcelo assume-se um defensor das sociedades abertas já que “os nacionalismos são um mecanismo de auto-defesa contra a mudança. Mas a sua visão é errada. A humanidade caminha no sentido oposto”. O problema, considera o Presidente, “foi ninguém, dentro dos sistemas políticos, ter prestado atenção aos sinais que indicavam, desde há muito tempo, a necessidade de uma mudança urgente”. Assim — continua Marcelo — “país a país, a crise económica, as mudanças tecnológicas e o terrorismo, criaram as condições para que nascessem novos partidos, movimentos e fenómenos de liderança populista”.

Marcelo explica também o conceito de “democracia mediática” que é quando “a democracia é muito rápida e as instituições são muito lentas”. É que “o Direito e a política chegam sempre mais tarde, depois da tecnologia e dos mercados” e “os referendos e a democracia participativa são respostas insuficientes”.

Mais à frente, emerge o professor: “Há muitos líderes que não conhecem a fundo a história e a geografia e tem visões a curto prazo enquanto nós necessitamos de uma visão mais ampla, um mundo menos paroquial e menos fechado”. Marcelo disse ainda que “muitos responsáveis políticos creem que descobriram o fogo, a humildade é essencial para criar condições de diálogo”.

Sobre as relações com o país vizinho estão “excelentes” e “num momento único”. Refira-se que a primeira visita de Marcelo foi a Madrid. O Presidente nem chega a considerar que os problemas diplomáticos entre Portugal e Espanha por causa da central nuclear de Almaraz possam pôr em causa a boa relação. Sempre otimista, Rebelo de Sousa diz que “não há uma família em que irmãos ou cônjuges não tenham um ponto ou dois pontos de divergência. Há que os resolver. Não é um drama. Como se resolve? Dialogando. Procurando soluções intermédias entre posições diferentes. Penso que é possível fazê-lo antes da cimeira de maio ou junho deste ano.”