António Costa está “tranquilo” em relação à atual situação do Montepio. Uma semana depois de ser tornado público que Tomás Correia, presidente da Associação Mutualista, é arguido num processo judicial relacionado com a banca, e numa altura em que se questiona o silêncio do ministro que tutela a Mútua, o primeiro-ministro garantiu estar confortável com a gestão do ministro do Trabalho e da Segurança Social, Vieira da Silva.

Em entrevista à Rádio Renascença, o líder socialista foi taxativo: “Relativamente aos produtos supervisionados pelo Ministério do Trabalho, sim, estou tranquilo com a competência do ministro Vieira da Silva. Não é pelo facto de se falar muito que os problemas se resolvem”.

O primeiro-ministro garantiu ainda que, “no conjunto do sistema financeiro”, o Montepio “é um problema conciso, bastante limitado”. Sobretudo, quando comparado com “outros problemas que têm vindo a ser resolvidos com sucesso”.

Sobre Tomás Correia, Costa foi igualmente perentório: não compete ao Governo avaliar a idoneidade do presidente da Mútua, atirando, ainda que implicitamente, a responsabilidade para o governador do Banco de Portugal. O Governo, por sua vez, está a trabalhar no sentido de encontrar um modelo de supervisão para a banca.

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Venda do Novo Banco não foi a “ideal”. “Não vivemos na Alice no País das Maravilhas”

Sobre o negócio da venda do Novo Banco, alguns detalhes: não foi o Estado que optou por ficar com 25% do banco, mas Costa acredita que o facto de ter ficado com essa parcela de risco não é preocupante. “Os riscos são francamente minorados relativamente àquilo que era a proposta inicial e relativamente às alterações que estavam em cima da mesa”, disse, sublinhando que “foi o comprador [Lone Star] que quis a presença do Estado, porque credibiliza o banco”.

Ainda sobre o Novo Banco o primeiro-ministro insistiu que a prioridade era “assegurar a continuidade do banco, evitar a sua liquidação”, sendo que a solução encontrada (de venda de 75% do banco) não foi a “ideal”, “ideal era o Estado ter ficado com 0%”, mas foi “equilibrada”. Além de que: “O Estado não tenciona ficar para sempre com estes 25%”. Não sendo a solução ideal, foi a possível. “Não vivemos na Alice no País das Maravilhas”, admitiu Costa.

Ainda assim, sublinhou o primeiro-ministro, há razões para otimismo. “O sistema financeiro estava há um ano numa situação dramática e ao longo deste ano fomos melhorando: o Novo Banco foi vendido e está em condições de arrancar, a CGD está capitalizada, o Millenium está capitalizado, o Montepio tem questões ainda a resolver, e é preciso encontrar um bom mecanismo para o crédito mal-parado”, elencou António Costa.

O primeiro-ministro não deixou, mesmo assim, de criticar a gestão do anterior Governo em relação ao sistema financeiro, lembrando que, ao contrário de outros países, como Espanha, que fizeram um “saneamento do sistema bancário” logo no início da crise, Portugal “empurrou” esses problemas com a barriga e só agora é que os está a resolver.

Mário Centeno no Eurogrupo? “Prestigiante”, mas “não prioritário”

Entre elogios a Mário Centeno, António Costa acabou por confirmar que o ministro das Finanças foi de facto “sondado” para se tornar, eventualmente, o próximo presidente do Eurogrupo. Sem esclarecer quem ou que país fez esse convite, o líder socialista preferiu afastar essa hipótese: “Não é uma prioridade”. Noutras palavras: Centeno é mais útil como ministro das Finanças português a tempo inteiro.

Para já, a próxima missão de Mário Centeno é conduzir o país para a saída do Procedimento dos Défices Excessivos, algo que nesta altura António Costa acredita ser possível. “Não vejo nenhuma razão para não sairmos do Procedimento dos Défices Excessivos. Estou certo de que fizemos tudo o que tínhamos a fazer”, afirmou o primeiro-ministro, lembrando, ainda assim, que é sempre preciso “prudência”.

Costa admite acordos à esquerda, mesmo com maioria absoluta

Sobre o futuro da solução política encontrada no Parlamento, António Costa recorreu ao jargão futebolístico para dizer estar confortável com a “geringonça” — Governo unicamente socialista apenas com apoio parlamentar de Bloco de Esquerda, PCP e PEV. “Estamos bem assim. Em equipa que se ganha não se mexe”, afirmou o primeiro-ministro.

Mas, quanto a futuras eleições, António Costa afastou qualquer hipótese de eleições antecipadas ou de coligação pré-eleitoral entre os partidos da esquerda. E o PS, sonha com a maioria absoluta? “Não tenho sonhos de maioria absoluta”, rematou António Costa, garantindo estar disposto a fazer acordos à esquerda mesmo com uma maioria socialista no Parlamento.

Para o próximo Orçamento do Estado, de resto, António Costa já tem duas exigências bem delineadas pela esquerda: a revisão dos escalões do IRS e o desbloqueamento das carreiras na função pública. Sem se comprometer com uma solução final, o líder socialista garantiu que o Governo vai mesmo avançar com essas reformas.

Outra exigência da esquerda que vai (e já está a) dominar a agenda política e parlamentar é a identificação e posterior integração dos trabalhadores precários no Estado. Recusando dizer se o Governo vai mexer nas leis laborais como Bloco e PCP querem, António Costa lembrou que o Governo tem simultaneamente de negociar com os parceiros sociais em sede de concertação social e com os parceiros parlamentares na Assembleia da República. Até estarem fechadas essas conversações, o processo não está fechado.

Ainda assim, António Costa deixou uma garantia: não existe qualquer “tecto para a integração dos precários no Estado”. “Se forem 100 mil os precários identificados, serão 100 mil integrados, se forem 80 mil serão 80 mil”, assegurou o líder socialista. Desafiado a esclarecer se esses trabalhadores vão ser sujeitos a concursos públicos, António Costa limitou-se a dizer que os funcionários vão ser integrados nos “termos normais da lei”, sem adiantar mais detalhes.

Eutanásia, PPP e Educação: dois temas sensíveis e um bem resolvido

São dois temas sensíveis para a esquerda — uma mais do que outro — e um deles muito bem resolvido, segundo António Costa. Primeiro, a despenalização da eutanásia. Numa altura em que o Parlamento discute o tema — e depois de o PS ter aprovado internamente uma moção nesse sentido — o socialista evitou comprometer-se com uma posição nesse sentido. Admitindo ter dúvidas em relação à questão, o primeiro-ministro deixou escapar: “[Se fosse deputado] sei que não votaria contra. Não sei se votaria a favor”.

Depois, as Parcerias Público-Privadas (PPP) na Saúde. Com os parceiros parlamentares do PS a aumentarem a pressão no sentido de o Governo extinguir essas parcerias “ruinosas” e “lesivas” para o Estado — nas palavras da esquerda –, António Costa reiterou a posição do Governo: todos os casos vão ser avaliados individualmente e só depois será tomada uma decisão, seja pelo controlo público de uma determinada unidade hospital, seja pela abertura de novos concursos para renovar a parceria com os privados.

A educação, essa, parece ser uma questão bem resolvida à esquerda, com Bloco de Esquerda e PCP a aplaudirem a decisão do Governo de rever os contratos de associação. “Os contratos de associação causaram muita agitação nas ruas, mas zero nas escolas”, desvalorizou o primeiro-ministro.

Como prioridade, o primeiro-ministro apontou a gestão mais flexível dos currículos, sublinhando a necessidade de aliar a descentralização de competências para as autarquias com a entrega de maior autonomia das escolas. “São dois processos que têm de ter simultaneidade”, disse, apesar de ter afastado a hipótese de uma descentralização da contratação dos docentes. “A nossa prioridade tem de ser a estabilização de um corpo docente, não percebo a dificuldade que há em estabilizar o corpo docente nas escolas, porque se há setor em que é fácil prever as necessidades a longo prazo é o setor da educação”, sublinhou, por fim, António Costa.