É o primeiro dos “180 dias de mudança” da Uber. Depois de muito batalhar contra a pressão dos condutores para que a opção de dar gorjeta fosse incluída na aplicação, a empresa de transporte de passageiros sediada em São Francisco, finalmente cedeu: Seattle, Houston e Minneapolis, nos Estados Unidos, são as três cidades-piloto para esta experiência que deverá estar disponível em todo o país até ao final de julho.

Depois de um ano atribulado, em que foi notícia pelas piores razões, a Uber está agora a tentar limpar a sua imagem defendendo, pelo menos no papel, uma cultura laboral menos exigente — e menos sexista — para os colaboradores na sede da empresa e políticas um pouco mais justas para os seus condutores.

Consciente da animosidade latente, Rachel Holt, diretora regional da Uber e parte da equipa que lidera a Uber depois de Travis Kalanick ter-se afastado por tempo indeterminado, disse que “os condutores são os [nossos] parceiros mais importantes” mas admitiu que “a Uber não tem feito um bom trabalho no sentido de honrar essa parceria” e por isso é que estas medidas são necessárias.

Assédio e cultura de obsessão. O que se passa nos escritórios da Uber, Kalanick?

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Contactada pelo Observador, a Uber Portugal disse que “não há planos” para a introdução dessa possibilidade na aplicação mas que a empresa “está a estudar o caso ao nível da Europa”. Mas há uma diferença essencial entre o serviço Uber nos Estados Unidos e aquele que é oferecido em Portugal. Em Portugal os condutores da Uber têm que trabalhar para empresas, por exemplo agências de viagens ou serviços de aluguer de automóveis, que, por sua vez, estão ligadas à Uber. A Uber tem em Portugal mais de 2.500 trabalhadores que também se têm queixado, como nos Estados Unidos, das condições de trabalho.

A Uber defendeu-se, nas páginas do Observador, garantindo que a empresa já ajudou muitas pessoas que estavam no desemprego e garante que está atenta àquilo que ainda pode melhorar. Mas há sempre uma barreira entre a empresa e os condutores porque estes não são diretamente ligados à Uber, que pode remeter a culpa para as empresas parceiras, que dividem mal os lucros com os seus colaboradores.

No texto que assinou no Observador, o diretor da Uber Portugal, Rui Bento, escreve que a situação dos trabalhadores mais precários pode melhorar se mudarem para “parceiros com estruturas remuneratórias mais adequadas” ou se se tornarem parceiros diretos da Uber, “criando o seu próprio emprego”.

Além da questão da gorjeta a Uber vai também tentar compensar os motoristas pelo tempo que esperaram pelos clientes — assim que esse tempo ultrapasse os dois minutos — e reduzir a janela temporal para o cancelamento de uma viagem, que passará para os dois minutos, em vez de os atuais cinco.

Gorjeta é sempre uma coisa boa?

A introdução desta nova funcionalidade na aplicação da Uber tem dividido os Estados Unidos. Há quem a considere essencial, uma ferramenta da justiça que tardou a chegar, já utilizada por taxistas e outras aplicações concorrentes da Uber; e quem a veja como uma marca da aristocracia capitalista, que tem pena dos seus pobres mas não lhes paga um salário que evite ficarem dependentes da caridade, como disse no Twitter o editor da revista Verge.

https://twitter.com/CaseyNewton/status/877216805797810176

Já Ed Zitron, profissional de relações públicas na área das novas tecnologias, considera que esta é uma forma de os condutores conseguirem fazer mais dinheiro do que aquele que a Uber lhes paga.

https://twitter.com/edzitron/status/877306030878728192

Tal como Lorena Gonzalez, ativista pelos direitos dos cidadãos latinos nos Estados Unidos:

Os colaboradores da Uber nos Estados Unidos já tinham colocado a companhia em tribunal por “desencorajar a prática de dar gorjeta” — um caso que a Uber “venceu” oferecendo 84 milhões de dólares aos 385 mil trabalhadores que interpuseram a ação. Com isto a Uber garante que os seus colaboradores continuam como tal e não como “trabalhadores fixos”.

Desencorajar pode não ser a prática mais simpática — até porque em setores com deficiências crónicas em termos de remuneração como é o caso da restauração esse dinheiro é essencial — mas um texto da revista Economist também lista os maiores problemas com esta prática: “discriminação entre empregados e empregadas de mesa considerados mais atraentes ou de diferentes etnias”, “desresponsabilização do empregador em pagar um salário decente” ou “progressiva deterioração do serviço” uma vez que a pressão para dar ou a vergonha em não dar gorjeta acaba por levar quase toda a gente a deixar mais dinheiro, como é o caso dos Estados Unidos onde deixar qualquer valor abaixo dos 15-20% é visto como uma ofensa ao empregado.