A audição da ministra da Administração Interna durou mais de três horas. Uma semana e meia depois do início do incêndio de Pedrógão Grande, Constança Urbano de Sousa chegou disponível para dar “todas as respostas”, mas não agora. É preciso “tempo” para que as várias entidades façam o seu trabalho e cheguem a conclusões que possam explicar o que correu mal para que 64 pessoas tivessem morrido, a maior parte das quais na Estrada Nacional 236.

Numa intervenção inicial muito emocionada, a ministra da Administração Interna acabou por garantir que o seu lugar não estava à disposição.

Este não foi o momento mais difícil da minha carreira política, foi o momento mais difícil minha vida. Seria muito mais fácil demitir-me e corresponder à vontade de alguns que consideraram que uma demissão, a demissão da ministra, seria no fundo a solução para o problema e que no dia seguinte os problemas estavam todos resolvidos, mas não estão. Senti que naquele momento que era a minha missão estar com aqueles homens e mulheres que de forma inexcedível deram tudo o que tinham para resolver uma situação que era extremamente difícil.”

Esta demonstração de força, no entanto, acabou por não ser acompanhada por esclarecimentos rigorosos sobre o que aconteceu em Pedrógão Grande. Ao longo de toda a comissão, a ministra foi dizendo, repetidamente, que não estava em condições de dar respostas definitivas. “São questões para as quais se exigem respostas, que têm que ser objetivas, transparentes, ponderadas e sustentadas. Não há espaço para respostas levianas”, argumentava a ministra.

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Ministra da Administração Interna: “Seria muito mais fácil demitir-me”

SIRESP: o que falhou, o que já mudou e o que ainda vai mudar

A ministra tem como um “facto” que “houve falhas nas comunicações, seja na rede SIRESP seja nas outras redes daquele teatro de operações”. O sistema terá falhado porque arderam cabos de fibra ótica da “operadora privada” a que a rede recorreu para implementar no terreno o universo de antenas que garantem as comunicações – leitura diferente daquela que a empresa fez, ao considerar que o sistema esteve “à altura” do incêndio.

Desde que tomou posse, e já com as conclusões de uma auditoria da KMPG ao SIRESP nas mãos (encomenda do ex-ministro Miguel Macedo), o Governo foi concretizando as mudanças propostas no documento. Reforçou a rede em pontos considerados como tendo cobertura fraca, garantiu a cobertura a 100% no Metro do Porto e no aeroporto de Lisboa. Também foi além do relatório e dotou os rádios SIRESP de georeferenciação para que a posição dos operacionais no terreno seja sempre conhecida.

Para o futuro, e como lição aprendida deste incêndio, a ministra decidiu recorrer ao modelo de ajuste direto para comprar as duas antenas com que vai equipar as carrinhas compradas pelo anterior Governo para juntar às duas antenas móveis do SIRESP. As quatro unidades vão, depois, ser “pré-posicionadas por todo o país para acorrer a qualquer incidente de forma rápida”. Até agora, estavam estacionadas em Lisboa. O Governo vai ainda instalar novas antenas em zonas consideradas sombra e reforçar a cobertura de rede em todo o país que, garante o secretário de Estado da Administração Interna Jorge Gomes, já cobre 95% do território nacional em zonas exteriores e perto de 80% em zonas interiores.

Confrontada com uma questão do BE apresentada pela deputada Sandra Cunha — “confia no SIRESP?” –, Constança Urbano de Sousa garantiu tratar-se de um “sistema de comunicações seguro”. “E não vamos pensar que é apenas sistema de comunicação para situações de emergência, é um sistema para o dia a dia”, lembrou. Sem resposta ficaram os desafios de BE e PCP: reverter o sistema de comunicações para a esfera pública, se se chegar à conclusão de que o atual modelo não é viável. E uma confirmação: o SIRESP custa cerca de 40 milhões de euro por ano ao Estado.

Alterações na estrutura da ANPC motivam críticas de PSD e CDS

PSD e CDS ensaiaram a tese de que uma eventual desorganização dos meios no terreno poderá ter ficado a dever-se às mudanças feitas nos últimos meses – em cima do início da época de incêndios – nas estruturas distritais e operacionais da Autoridade Nacional da Proteção Civil.

Fernando Negrão questionou a Constança Urbano de Sousa sobre “as alterações à estrutura de comando da ANPC e a substituição do major-general Grave Pereira — que se demitiu no ano passado — pelo coronel Joaquim Pereira Leitão”. Uma “revolução” que deixou a cadeia de comando fragilizada.

Na resposta, a ministra deixou um desabafo: “Não há dia nenhum em que eu não faça esta pergunta a mim mesma: porque acabaram os governadores civis, que eram os pivots nestes teatros de operações? Confesso que muita faltam fazem nestes casos em que é preciso coordenar várias entidades”. A extinção dos governos civis ocorreu durante o anterior Governo, era Miguel Macedo o ministro.

Urbano de Sousa contestou, no entanto, a ideia de que as mudanças feitas na estrutura da ANPC — por ter nomeado um general em vez de ter escolhido um coronel –, tivessem tido impacto nas operações em Pedrógão Grande. “Nunca, mas nunca houve um tão bom relacionamento entre a ANPC e toda a estrutura da Proteção Civil com os militares”, garantiu. “Pode perguntar a qualquer militar”, desafiou a ministra, sublinhando que “a questão das patentes não influenciou em nada” o trabalho no terreno. “Eu estive lá e vi o empenhamento daqueles militares”.

O secretário de Estado da Administração Interna explicou, depois, as razões que levaram o executivo a mudar alguns dos responsáveis da cadeia de comando da Proteção Civil. “Foram nomeados por nós 18 elementos novos”, disse. Dois porque tiveram de concluir as respetivas licenciaturas, um por aposentação, três por promoção, exemplificou Jorge Gomes, sem referir mais casos. Mas lembrando: “Em 2013, ninguém colocou a questão sobre esse procedimento e os senhores, em 36, mudaram 21”, referiu o governante. “Não é por isso que as coisas correm melhor ou pior”, considera Jorge Gomes.

Incongruências motivam inquérito

As questões de Nuno Magalhães (CDS) sobre o inquérito da Inspeção-Geral da Administração Interna à própria secretaria-geral do MAI, mandado instaurar por Constança Urbano de Sousa esta semana, provocou um dos (poucos) momentos mais agitados de uma audição serena (o segundo momento aconteceu na troca de ideias com a social-democrata Teresa Morais).

Magalhães notou uma passagem da intervenção inicial da ministra em que Constança Urbano de Sousa assume que não ficou satisfeita com as “incongruências” que detetou nas informações divulgadas pela secretaria-geral do MAI, órgão perante o qual responde o Centro de Operação e Gestão (COG) do SIRESP. “Por haver incongruências naquilo que a secretaria-geral do MAI disse, que é publico, mandei instaurar uma auditoria por parte da inspeção-geral do MAI”, explicou a ministra.

“Eu tutelo a SG e, por isso mesmo, perante a sua própria resposta, a própria forma como dá resposta e eu, sabendo das suas obrigações, determinei que a Inspeção-geral da Administração Interna fizesse uma auditoria”, argumentou Constança Urbano de Sousa. “Acha suficiente?”, perguntou Nuno Magalhães. “O que queria que fizesse? Senhor secretário-geral, está despedido?”, questionou-se a ministra, defendendo que “um Estado tem os seus mecanismos de atuação” e que é essa a função da IGAI: perceber o que falhou neste caso.

Em causa está o facto de a unidade móvel da PSP estar em Espanha, para uma operação de revisão, quando a unidade da GNR estava “inoperacional”. O SIRESP atirou responsabilidades para a forma como a PSP geriu os timings dessa operação, mas a ministra sugeriu que o COG não tinha como não dispor dessa informação.