Afinal, Basílio Horta não fez uma fortuna de sete milhões de euros em dois anos e meio. Não inscreveu foi três zeros em duas declarações que entregou no Tribunal Constitucional (TC) em 2010 e 2011, tendo declarado nesses dois momentos que tinha uma conta a prazo no valor de 5.600 euros, que na verdade era de 5.600.000 euros. Foi o próprio candidato pelo PS e presidente da câmara de Sintra que explicou o lapso ao Observador, depois de confrontado com as declarações de rendimentos entregues no TC que, de facto, indicam que tinha feito fortuna de uma forma mais fugaz.
Não fez essa fortuna em dois anos, mas fez em oito. Mesmo depois dos esclarecimentos prestados ao Observador, é possível verificar que em oito anos (entre 29 de maio de 2002 e 31 de maio de 2010) a fortuna de Basílio Horta cresceu 5.666.080 euros. Em 2002, o atual autarca tinha 833.920 euros em contas a prazo em bancos e em 2010 esse valor já passado para 6.500.00 euros. Questionado pelo Observador sobre este aumento, a assessoria do autarca explicou que este crescimento da fortuna está relacionado com “rendimentos da cortiça, que renderam muito dinheiro” e por “ter passado a gerir os negócios do pai“. Em 1999 e 2002 — quando entregou as declarações no TC como era sua obrigação enquanto deputado do CDS — já era referido o “património imobiliário por herança indivisa do pai”, mas Basílio tinha na altura menos dinheiro no banco.
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Olhando para as declarações do TC — por exemplo ao nível do património imobiliário — é possível verificar que entre 2002 e 2010 (o tal período em que a fortuna cresce 5,6 milhões de euros) Basílio só vendeu uma casa na rua Ângelo Pinto, próxima da Alameda, em Lisboa. Quanto a bens materiais, comprou um Maseratti, que declarou corretamente. Entre 2002 e 2005, Basílio Horta foi Representante Permanente de Portugal junto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Em outubro de 2007, foi escolhido pelo Governo de José Sócrates para presidir à AICEP, mas só entregou declaração em 2010 — quando os gestores das Empresas Públicas do Estado (EPE) passaram a ser obrigados a declarar os rendimentos ao Constitucional.
A polémica em torno da fortuna do autarca começou quando Carlos Narciso, um jornalista apoiante de Marco Almeida, o seu principal opositor em Sintra (candidato independente apoiado pelo PSD), escreveu um artigo onde lançou a suspeita sobre o atual presidente da câmara: Basílio Horta teria aumentado a sua fortuna em mais de 7 milhões de euros entre 2010 e 2014. Confrontado depois pelo Observador na entrevista do Carpool Autárquicas, Basílio foi taxativo: “Isso é mentira. Totalmente falso. É uma mentira que vai ser objeto, na altura própria, de queixa crime. ” Havia, portanto, duas versões. Alguém estava a mentir ou havia algum lapso pelo meio.
O Observador foi então consultar todas as declarações de rendimentos entregues por Basílio Horta no Tribunal Constitucional desde 1999 — primeiro ano em que é consultável — para perceber a evolução do património. A grande questão colocou-se sempre ao nível do dinheiro que o autarca tinha a prazo no banco. A 31 de maio de 2010, quando entregou a declaração como presidente da AICEP, Basílio declarou 905.600 euros em contas a prazo no BCP. Já a 10 de setembro de 2014, na última que entregou os rendimentos, já contava com 7.955.050 euros. Pelo que tinha sido declarado ao TC, o aumento foi de facto superior a 7 milhões de euros.
No entanto, o presidente da câmara de Sintra apercebeu-se, após confrontado pelo Observador, que tinha um erro em duas declarações de rendimentos no Tribunal Constitucional. Basílio Horta cedeu até um extrato bancário do Millenium BCP de 2012 para demonstrar que a conta que tinha naquele banco em 2010 e 2011 era de 5.600.000 euros e não de 5.600 euros. De acordo com o autarca, as declarações de 2013 e 2014 estão corretas e o lapso em 2010 e 2011 foi involuntário. A assessoria de Basílio Horta destaca que se tratou de uma “gralha” e que foram “declarados os rendimentos capitais desses depósitos”. A mesma fonte diz que apesar das falhas na declaração do TC, Basílio Horta cumpriu “todas as obrigações fiscais, que foram sempre respeitadas totalmente” e disponibilizou-se a mostrar publicamente todas as declarações de IRS.
De acordo com a declaração entregue na Assembleia da República, a 13 de julho de 2011, o dinheiro que tinha a prazo no banco ficava-se pelos 1.255.600 euros, mas na verdade eram já 6,8 milhões de euros. O então deputado até declarou no PS, nesse documento, num só ano, rendimentos capitais de 271.500 euros (de “rendimentos de depósitos a prazos e dividendos de ações”) aos quais se juntaram 153.136,28 euros de trabalho dependente e 18.881 euros de rendimentos prediais.
A 17 de dezembro de 2013, quando entregou a primeira declaração como autarca, já é declarada a tal conta no BCP, que entretanto cresceu para 6 milhões de euros. A essa juntaram-se outras contas a prazo no BCP. Ou seja, quando se tornou presidente da câmara em Sintra, Basílio já tinha no banco 7.550.00 euros a prazo, aos quais se juntavam mais 99.000 euros à ordem (60 mil euros no BCP e 39 mil euros na CGD). Quando Basílio fez uma atualização da declaração de rendimentos, nove meses depois (a 10 de setembro de 2014, cerca de um ano após entrar na autarquia) a fortuna já tinha aumentado em 400 mil euros para 7.955.050 euros.
Na entrevista ao Observador, quando questionado se considera que é rico, o autarca afirmou:
Eu sei lá o que é ser rico. Não tenho dívidas e sou independente, não dependendo nem de grupos económicos, nem de ninguém a não ser da minha família e dos meus munícipes. Isso é um ataque soez. E todos os dias sou difamado, injuriado.
De acordo com a lei do Controlo Público da Riqueza dos titulares de cargos políticos, o artigo 3º, referente ao incumprimento estabelece que “quem fizer declaração falsa incorre nas sanções previstas no número anterior e é punido pelo crime de falsas declarações, nos termos da lei.” A mesma lei estabelece que:
Em caso de incumprimento culposo, salvo quanto ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República e ao Primeiro-Ministro [poderá] incorrer em declaração de perda do mandato, demissão ou destituição judicial, consoante os casos.”