Era uma das jóias da coroa do ambicioso programa de obras públicas do primeiro governo de José Sócrates. Além das linhas ferroviárias de alta velocidade Lisboa/Porto e Lisboa/Caia, da Terceira Travessia sobre o Tejo e das 7 subconcessões rodoviárias, o novo aeroporto de Lisboa era um dos projetos mais desejados por Sócrates — um primeiro-ministro que defendia as virtualidades económicas e sociais do investimento público em grandes obras públicas, independentemente dos avisos de economistas de vários quadrantes sobre o excesso de endividamento que seria necessário para pagar tantas obras.

Avaliado em cerca de 5 mil milhões de euros, o novo aeroporto de Lisboa foi uma das obras que maior interesse despertou entre as empresas de obras públicas nos anos de 2007/2008. O primeiro consórcio a ser constituído, e aquele que cedo começou a ser apontado como favorito, chamava-se Asterion e tinha a seguinte composição:

  • Era liderado pela Brisa (líder do mercado de concessões rodoviárias) e pela Mota e Companhia (maior construtora nacional);
  • Os bancos financiadores (e acionistas do consórcio) eram os três principais bancos portugueses: Caixa Geral de Depósitos, BCP e BES;
  • Do consórcio faziam ainda parte as construtoras Somague, MSF Construções e Lena Construções.

Quem era o representante da Lena Construções no consórcio Asterion? Carlos Santos Silva. A revelação foi feita por Rui Horta e Costa nos autos da Operação Marquês, aquando da sua constituição como arguido a 7 de fevereiro de 2017 pelos crimes de corrupção ativa, fraude fiscal qualificada, burla qualificada e branqueamento de capitais. Horta e Costa foi considerado suspeito pela equipa do procurador Rosário Teixeira devido ao alegado favorecimento de José Sócrates e Armando Vara no financiamento concedido pela Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento de Vale do Lobo — do qual Horta e Costa era administrador. Na prática, e tendo em conta o principal crime pelo qual foi indiciado, o economista é suspeito de alegadamente ter corrompido Sócrates e Vara.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Questionado sobre se conhecia aquele que é apontado como o testa-de-ferro de Sócrates, Rui Horta e Costa respondeu que conhecia Carlos Santos Silva do consórcio Asterion — precisamente porque Santos Silva era o representante do acionista Lena Construções na Comissão Executiva por si liderada desde setembro de 2008 por convite da Brisa e da Mota.

Na perspetiva da investigação da Operação Marquês, este consórcio tem uma composição que inclui, direta e indiretamente, os seguintes arguidos:

  • Rui Horta Costa — presidente da Comissão Executiva da Asterion;
  • Ricardo Salgado — líder da Comissão Executiva do BES;
  • E Carlos Santos Silva — administrador da Lena Construções

E as seguintes características:

  • Quer a Mota-Engil de António Mota, quer o Grupo Lena dos irmãos Barroca foram duas das construtoras que mais cresceram em termos de volume de negócio durante os dois Governos Sócrates;
  • O Grupo Mota, por exemplo, ameaçou mesmo a liderança da Brisa nas concessões rodoviárias ao ganhar com a concessionária Ascendi (uma parceria com o BES), uma parte significativa dos concursos das sete subconcessões rodoviárias lançadas pelo Governo Sócrates entre 2008 e 2010.

Uma das primeiras grandes lutas entre Cavaco e Sócrates

A localização do novo aeroporto de Lisboa foi uma das causas do primeiro choque frontal entre o então Presidente Cavaco Silva e o primeiro-ministro José Sócrates. Cavaco Silva contestava a localização da Ota que tinha sido decidida pelo governo do PS logo em 2005 (dando seguimento a uma decisão de 1999 do Governo Guterres). Com a ajuda de vários estudos patrocinados pela sociedade civil que contestavam a Ota como a melhor escolha por razões técnicas (localização pouco adequada em termos de construção e de segurança) e económicas (a opção estava em cerca de 7 mil milhões de euros), Cavaco forçou Sócrates a mudar de opinião.

Com base num estudo encomendado ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil, o então primeiro-ministro anunciou em janeiro de 2008 a zona do Campo de Tiro de Alcochete como a escolha definitiva para o novo aeroporto de Lisboa. Meses antes, o ministro Mário Lino (titular das Obras Públicas de Sócrates), tinha dito, recorrendo ao seu melhor francês, que jamais a Margem Sul seria uma hipótese a considerar. Porquê? Porque era uma área onde “não há gente, não há escolas, não há hospitais, não há indústria, não há comércio, não há hóteis”.

Esta escolha coincidiu com o início da crise financeira mundial. Precisamente no mês em que Rui Horta e Costa tomou posse como presidente da Asterion (Setembro de 2008), acumulando o cargo com a administração do empreendimento de Vale do Lobo, o banco de investimento norte-americano Lehman Brothers declarou falência. Apesar do reforço dos avisos do Presidente da República e de um número crescente de economistas para os riscos de aumentar o défice orçamental e a dívida pública em tempo de crise, Sócrates manteve o seu plano de grandes obras públicas, só deitando a toalha ao chão em 2010. Em maio desse ano, anunciou a suspensão da construção do novo aeroporto de Lisboa e de outros projetos.

O modelo económico previsto pelo Governo Sócrates para a construção do aeroporto implicava a privatização parcial da ANA — Aeroportos de Portugal. O novo Governo de Passos Coelho manteve essa privatização, alargando mesmo o seu âmbito, mas as construtoras e os bancos que faziam parte do consórcio Asterion perderam o interesse. Segundo declarou Horta e Costa, o que lhes interessava era a construção do aeroporto — e não a gestão da ANA.

A Brisa manteve-se como líder do consórcio, substituiu a Mota e Companhia pela construtora brasileira Odebrecht e juntou-lhe o Grupo AGI, ligado à gestão de aeroportos. Mas não chegou a avançar com uma proposta vinculativa. A privatização da ANA viria a ser ganha em dezembro de 2012 com uma proposta de cerca de 3 mil milhões de euros do consórcio liderado pelos franceses da Vinci.