O CDS vai avançar mesmo com uma moção de censura ao Governo pela “falha grave de uma das funções essenciais do Estado: proteger as pessoas”, anunciou Assunção Cristas em conferência de imprensa na sede do partido, depois de uma reunião do órgão de direção mais restrito do CDS. Cristas já informou Passos Coelho e Marcelo Rebelo de Sousa. O texto da moção vai dar entrada no Parlamento na quinta-feira, depois da reunião do grupo parlamentar para fixar o texto, o que faz com que o debate seja terça ou quarta-feira. A audiência pedida pelo CDS ao Presidente da República será já esta quarta-feira, pelas 20h, depois do debate quinzenal com o primeiro-ministro.
A data de discussão da moção de censura depende diretamente da data de entrada do texto: o regimento da Assembleia é claro nos timings, estabelecendo que a moção tem de ser debatida no terceiro dia depois de ser apresentada. Ou seja, dando entrada na quinta-feira, só no início da próxima semana, na terça-feira, dia 24 de outubro, é que será feito o debate e a votação. Sendo aprovada — o que é improvável dado o apoio parlamentar de que o Governo goza junto da maioria de esquerda e que o CDS “não ignora” — a moção de censura é sinónimo de queda do Governo.
Na justificação, aos jornalistas, Assunção Cristas disse que, dada a “repetição” da tragédia, era preciso “dar voz à indignação”. “Há quatro meses remetemo-nos ao silêncio, unidos na dor de todos e no luto nacional, e hoje estamos unidos na dor mas hoje isso é dar voz à indignação de todos pela repetição de uma tragédia como esta”, explicou.
“Estamos a dar voz a muitas pessoas que por todo o país se indignam com um primeiro-ministro e um Governo que não estão à altura das suas responsabilidades. A posição do CDS é esta, é muito clara: quem partilhar connosco desta visão, certamente estará do nosso lado”, desafiou.
Segundo a presidente do CDS, que diz que ainda tem de comunicar a decisão aos deputados do CDS que não têm assento na comissão política executiva, o Presidente da República já foi informado, assim como o líder do PSD, Pedro Passos Coelho. Mesmo com o apoio do PSD, é preciso maioria absoluta dos deputados para uma moção de censura ser aprovada no Parlamento. “Se a moção de censura vier a ser aprovada no Parlamento certamente isso levará a uma demissão do Governo, mas em todo o caso não ignoramos as circunstâncias parlamentares e o apoio de que o Governo dispõe no Parlamento”, disse, evidenciando a improbabilidade de a moção ser aprovada.
“O primeiro-ministro não agiu, não corrigiu os erros, não assumiu as responsabilidades e pautou-se pela inação. Podia tê-lo feito e não o fez. Repetida a tragédia o Governo não reconhece um único erro, não faz um único pedido de desculpas, não toma a dianteira a indemnizar os familiares das vítimas. Não chega aprovar medidas para o médio e o longo prazo”, disse.
Assunção Cristas explicou ainda que a decisão foi tomada depois de o CDS ter analisado os relatórios da comissão técnica independente e do professor universitário Xavier Viegas. “Concluímos que os relatórios são claros nas falhas que apontam na prevenção e no combate, e que se tivessem sido empregados os meios disponíveis teria sido possível evitar o pior. O Estado falhou na prevenção, no combate, e terá falhado no socorro às vítimas”, resumiu.
PSD vota a favor (mas faltam 9 deputados para Governo cair)
Pouco depois de Assunção Cristas ter feito o anúncio, o PSD dava indicação publicamente de que iria votar a favor. A decisão sobre o sentido de voto dos sociais-democratas só será oficializada na reunião extraordinária do grupo parlamentar marcada para esta quarta-feira de manhã, mas o deputado José de Matos Correia já deixou claro que a luz será verde.
“A indignação do PSD face ao comportamento do Governo não é menor [do que a do CDS]. E não será surpresa para ninguém que o PSD não esteja disponível para dar qualquer tipo de apoio a um Governo que viola de forma básica as suas responsabilidades fundamentais, e cuja atuação denota um falhanço absoluto do exercício das suas funções”, disse Matos Correia esta tarde aos jornalistas, sublinhando a “passividade e incompetência” do Governo que “ajudou a que tragédias ocorressem”.
O deputado e vice-presidente da AR antecipou desta forma qual será o sentido de voto do PSD em relação à moção de censura do CDS, acautelando que a decisão formal sairá da reunião do grupo parlamentar de amanhã.
O PSD, nas palavras de Matos Correia, só não apresentou ele próprio uma moção de censura porque “não faz parte da história e da tradição do partido apresentar moções de censura aos governos”. “Mantemos por isso a nossa tradição”, disse. “Em política há várias formas de reagir à inação e incompetência, e cada partido tem a sua maneira de agir, de acordo com a sua história e tradição”, disse, sublinhando que “mais importante do que isso é deixar claro aos portugueses que este Governo falhou.
Mas mesmo com o PSD a juntar-se ao CDS, não é provável que a moção de censura venha a ser aprovada. É que para isso é preciso maioria absoluta de deputados, ou seja, 116, e os partidos da direita, juntos, somam 107 deputados. Seriam precisos, por isso, nove deputados para fazer cair o Governo. É certo que as moções de censura ou de confiança não fazem parte do acordo que o PS assinou com os partidos à sua esquerda, mas também é certo que nem PCP nem Bloco de Esquerda se deverão desviar do trilho e votar contra o Governo.
Costa respeita “direito constitucional”, César critica “refúgio do CDS na facilidade de pedir demissões”
Em reação ao anúncio do CDS, o primeiro-ministro deixou claro que respeita a moção de censura ao Governo já que é perante a Assembleia da República que o executivo “tem que responder”, o que faz parte da normalidade do funcionamento das instituições.
“Respeito. É um direito constitucional do CDS. A legitimidade do Governo resulta da Assembleia da República. É perante a Assembleia da República que tem que responder. Faz parte da normalidade do funcionamento das nossas instituições”, disse aos jornalistas em Oliveira do Hospital.
Já o líder parlamentar do PS, Carlos César, criticou a forma de atuação do CDS. “Face a qualquer dificuldade ou face a qualquer acontecimento de natureza negativa, o CDS tem mostrado que acha que isso se resolve ora com a demissão de um ministro ora com a demissão do Governo”, disse aos jornalistas no Parlamento.
Para Carlos César, mais do que “refugiar-se na facilidade de pedir demissões, ou achar que devem entrar ministros e sair ministros, entrar governos e sair governos”, o que é fundamental é “resolver o problema e não adicionar mais problema”. “Estabilidade” é a palavra-chave. O líder parlamentar socialista vincou ainda a confiança de que do próximo Conselho de Ministros de sábado irão sair “soluções para problemas estruturais”, de médio e longo prazo, assim como medidas mais imediatas para o cumprimento das leis já em vigor.
Quanto a uma eventual demissão da ministra da Administração Interna, César vincou que só ao primeiro-ministro “cabe a tarefa legal e política de avaliar as condições que cada um dos seus ministros tem para exercer funções”.