É um sinal político importante e que chega numa altura em que a aliança parlamentar de esquerda vive um momento delicado. Francisco Louçã, fundador e antigo líder do Bloco de Esquerda, veio a terreiro defender que, mais do que nunca, é preciso garantir que ninguém à esquerda é excluído de uma solução de poder. Tal, acredita o bloquista, seria estender o tapete vermelho a António Costa para uma eventual maioria absoluta.

Na sua habitual coluna de opinião no jornal Público, Louçã considera que a presença do Bloco de Esquerda e do PCP no próximo ciclo legislativo é indispensável para dar corpo a um “projeto económico e social para o longo prazo em que sejam enfrentadas a ganância dos mercados e as dificuldades europeias”. E deixa um aviso: “Essa política de que Portugal precisa não pode abdicar do contributo do Bloco e do PCP. Instigar um jogo de um contra o outro seria um tiro no pé”, nota.

O bloquista chega mesmo a sublinhar que, se uma eventual maioria absoluta do PS entregaria os socialistas “à sua velha política”, a “exclusão de algum dos partidos de esquerda inviabilizaria uma política forte”. Para Louçã, aliás, “a valsa de 2019 dança-se mesmo a três”.

A tese do fundador do Bloco de Esquerda, próximo do núcleo de decisão dos bloquistas, chega depois de António Costa ter afirmado, em pleno debate sobre a moção de censura apresentada pelo CDS, que “os votos de PS e Bloco de Esquerda ainda não formam uma maioria no Parlamento”, excluindo aparentemente os comunistas de uma futura solução parlamentar ou governativa.

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A frase do primeiro-ministro foi recuperada este domingo por Luís Marques Mendes, na SIC, que viu nela um sinal de afastamento entre Costa e o PCP. Para Louçã, no entanto, a frase deve ser relativizada, porque foi dita no contexto do chumbo comunista ao diploma sobre o banco de terras que constava na reforma florestal promovida por António Costa.

“Não era, portanto, uma afirmação sobre o futuro, mas sobre dificuldades do presente. Foi, no entanto, o bastante para suscitar emoção. Será que o PCP se vai pôr de fora? Será que o Bloco corre para o Governo? Nem um nem outro, lamento desiludir os entusiastas”, sugere o bloquista.

A verdade é que a frase de António Costa surge numa altura em que o PCP ainda lambe as feridas que as últimas eleições provocaram — os comunistas perderam dez câmaras e registaram o pior resultado autárquico de sempre. Apesar de o fundador do Bloco de Esquerda relativizar esses números (“o PCP caiu nas presidenciais, mas, nas autárquicas, subiu em Lisboa, mesmo perdendo noutros concelhos; manteve no país uma votação notável, aliás superior ao seu resultado legislativo”), a hecatombe foi assumida pelos comunistas, que não esconderam o desconforto com a derrota.

Mais: a afirmação de António Costa surgiu depois de Marcelo Rebelo de Sousa, como aqui dava conta o Observador, ter desafiado o PCP a aproveitar o debate sobre a moção de censura para desfazer o equívoco em torno do apoio ao Governo socialista — ou seja, a Belém chegavam sinais de que, depois das autárquicas, o PCP podia estar com dúvidas quanto ao empenho do PCP em relação à solução governativa. A moção de censura acabaria por ser chumbada pela aliança de esquerda, mas sem que o PCP tivesse ensaiado — longe disso — uma defesa convicta do Governo socialista.

Apesar do momento mais frágil que o Governo atravessa, Louçã defende que Bloco de Esquerda e PCP fizeram bem em não integrar a equipa governativa de António Costa. Mas, tal como já fizera Catarina Martins, deixa a porta entreaberta para uma eventual participação dos bloquistas num futuro Executivo.

“Sobre a participação ou não do Bloco de Esquerda e do PCP no atual Governo, Louçã deixa ainda outra ideia: “(…) participar num Governo não é o mesmo que ir a um jantar de gala. São precisos acordos mais profundos e resistentes do que os atuais. Por isso, se o PCP e o Bloco tivessem feito parte deste Governo, o resultado era instabilidade: tê-lo- iam abandonado aquando da operação Banif, dois meses depois de tomarem posse. E essa seria a pior das alternativas. Sugiro então que é melhor dar tempo ao tempo, na política há mar e mar, há ir e voltar”, sugere Louçã.