Um novo relatório do Comité para os Direitos Humanos da Coreia do Norte desvendou a existência de uma nova rede de campos prisionais até agora desconhecida na Coreia do Norte. Esta organização teve acesso a 20 novas imagens de satélite de cadeias e prisões, denominadas pelos prisioneiros que escaparam por “an-jeon-bu”, controlados pelo Ministério da Segurança do Povo no país. O Comité partilhou as fotografias em causa e deu mais pormenores sobre o que se passa lá dentro — desde os métodos de tortura aos esquemas de trabalho forçado.
De acordo com o documento, que tem o título “O Gulag Paralelo”, existem dois tipos de campos prisionais: o kwan-li-so é uma prisão de longo termo e o kyo-hwa-so é um campo de reeducação. O primeiro é gerido pelo Departamento de Segurança do Estado e o segundo pertence ao Ministério da Segurança do Povo. Em ambos, os prisioneiros são sujeitos a trabalhos forçados e vivem em condições deploráveis, mas o kwan-li-so é destinado a prisioneiros julgados pelas leis norte-coreanas e o kyo-hwa-so é um campo para presos políticos onde podem ficar detidas até três gerações do prisioneiros e onde todos podem ser sujeitos a tortura.
Estas informações foram cedidas ao Comité, que é atualmente liderado pelo antigo presidente da Amnistia Internacional nos Estados Unidos, por pessoas que conseguiram fugir destas prisões para a Coreia do Sul. Segundo elas, há uma sala com uma vara de metal presa na parede a 60 centímetros do chão onde os prisioneiros são acorrentados com algemas e colocados quase de cócoras. Depois, um militar bate-lhes no peito até que vomitem sangue, um método a que os norte-coreanos chamam “a tortura do pombo”.
Nos mesmos campos de tortura, a escassez de alimentos leva os prisioneiros a caçarem ratos e cobras que caminham pelas grades. Essa é uma situação ainda mais comum nas solitárias, onde os prisioneiros são deixados em celas com um metro de largura e 1,20 metros de comprimento. Quando morrem, os cadáveres dos prisioneiros são deixados dentro das celas e os ratos devoram-lhes o corpo.
Estes relatos já tinham sido confirmados pelo ilustrador Kim Kwang-li, que depois de escapar fez oito desenhos onde explicou a vida dentro destes campos. Veja as ilustrações aqui em baixo.
As novas informações vêm complementar os dados recolhidos pela Amnistia Internacional há cerca de um ano, quando se estimou que houvesse cerca de 120 mil homens, mulheres e crianças nas prisões kwan-li-so, que funcionam como os campos de concentração nazi da II Guerra Mundial. Estas prisões — a que os informadores chamam “os campos de flores de Yodok — são palco de múltiplos crimes, deste tortura, a fome, trabalhos forçados, violação e assassinatos, mas a sua existência só é conhecida porque alguns dos prisioneiros conseguem escapar para a Coreia do Sul.
A Coreia do Norte continua a negar que estas prisões existam, apesar dos relatos dos prisioneiros e das imagens de satélite que têm sido divulgadas. De acordo com a Amnistia Internacional, o número de campos prisionais norte-coreanos duplicou entre 2010 e 2016 — e estima-se que tenham sido construídas muitas mais este ano.
Em dezembro de 2008, o jornalista Blaine Harden do The Washington Post encontrou-se com um antigo prisioneiro para um almoço em Seul. No livro “Escape from Camp 14: One Man’s Remarkable Odyssey from North Korea to Freedom in the West”, o jornalista descreve como o corpo do homem estava cheio de queimaduras nas pernas e nas costas. Os dedos do prisioneiro estavam deformados e os braços estavam curvados por causa do trabalho forçado a que tinha sido sujeito em criança. Shin, o nome do prisioneiro, tinha nascido no Campo 14 e culpa a mãe pela infância que teve: de acordo com Blaine Harden, Shin tinha tanto medo de ser torturado ou de morrer que avisou os guardas de que a mãe estava a planear fugir. A mãe foi morta, mas Shin foi torturado à mesma.
Outro relato que chega desses campos prisionais é o de um antigo funcionário, Lee Young-guk, que se despediu quando viajou para fora da Coreia do Norte e percebeu quão atroz era o regime no seu país de origem. Foi preso na China por traição, mas acabou por fugir. Diz que os militares norte-coreanos matam prisioneiros uma vez por semana e que todos os outros são obrigados a assistir. Passa-se tanta fome que os prisioneiros não têm força para manter a cabeça levantada: “Parecem esqueletos ambulantes”. Enquanto era militar, teve de levar os cadáveres “ainda com os fluidos a saírem de dentro deles” para os crematórios.