A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa diz que analisou as denúncias na comunicação social sobre Domingos Farinho ter violado a exclusividade com a Universidade, ao alegadamente ter escrito livros cuja autoria foi assumida por José Sócrates e de que Domingos Farinho negou a autoria, e a sua declaração de impostos não indica que tenha recebido dinheiro para o efeito e que sempre se manifestou disponível.

Num comunicado interno distribuído por docentes, funcionários e alunos da Faculdade de Direito, o diretor Pedro Romano Martinez afirma que tomou “iniciativas” no sentido de esclarecer o caso junto de Domingos Farinho, que demonstrou “prontamente disponibilidade e interesse nos apuramentos”.

A Faculdade nunca chega a dizer que abriu um inquérito, mas diz que no apuramento dos factos – para determinar se Domingos Farinho violou a exclusividade a que é obrigado -, processo que terá começado há um ano, não terá encontrado indícios de que tal terá acontecido.

“Já há um ano e voltou, ainda esta semana, a prestar esclarecimentos sobre a questão, negando que tenha realizado qualquer obra académica cuja autoria tivesse sido assumida por terceiro para efeitos de avaliação académica. Por outro lado, tal como solicitado, foram entregues pelo docente as declarações de impostos que não revelam ter havido violação do regime de exclusividade”, lê-se no texto enviado por Romano Martinez.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A Faculdade não faz qualquer referência a uma análise da possibilidade de Domingos Farinha ter recebido os pagamentos através da sua mulher, Jane Kirby, como é deduzido na acusação do Ministério Público relativa a Operação Marquês.

O ghost writer e a sua mulher

Um dos inquéritos a sair da Operação Marquês diz respeito a uma das situações mais mediáticas do processo: afinal, José Sócrates não seria o verdadeiro autor do livro A Confiança no Mundo (sobre a tortura em democracia) e, consequentemente, da sua tese de mestrado que apresentou no prestigiado Institut d’Etudes Politiques de Paris. O alegado autor seria, segundo a equipa do procurador Rosário Teixeira, Domingos Farinho, professor da Faculdade de Direito de Lisboa (FDL) e ex-assessor de Sócrates em São Bento. Estão em causa a alegada prática do crime de peculato e de falsificação de documento — neste último caso, em co-autoria com a sua mulher e advogada Jane Kirby.

A suspeita é sustentada pelos pagamentos de cerca de 100 mil eurosque Rui Mão de Ferro, sócio e pessoa da confiança de Carlos Santos Silva que foi acusado de um crime de branqueamento de capitais e de quatro crimes de falsificação de documento no processo principal da Operação Marquês, terá feito a Farinho e a Jane Kirby em nome de José Sócrates. O professor da FDL terá recebido cerca de 4 mil eurosdurante oito meses da empresa RMF Consulting, de Mão de Ferro, tendo mais tarde esta posição sido assumida pela sua mulher — o que resultou no pagamento de mais 60 mil euros.

Essa passagem de posição ter-se-á dado devido ao facto de Farinho ter tido consciência no final de 2013 que, surgindo a hipótese de passar a um regime de exclusividade na FDL, ser-lhe-ia vedado a possibilidade de assinar contratos de prestação de serviços com particulares. Farinho aparece nas escutas telefónicas realizadas a José Sócrates a perguntar-lhe se “existia algum inconveniente a que o contrato fosse celebrado em nome da sua mulher, tendo José Sócrates referido que não havia problema e que ia tratar disso, o que fez”, lê-se no despacho do MP.

De acordo com os magistrados do DCIAP, foi essa a razão que terá levado Farinho a solicitar à sua mulher que assinasse um contrato de prestação de serviços jurídicos com a empresa de Rui Mão de Ferro. Assim, entre 17 de dezembro de 2013 e 8 de outubro de 2014, Kirby emitiu onze recibos verdes a título de “consultoria jurídica” que lhe renderam 55 mil euros pagos pela RMF Consulting.

Como tal contrato não corresponderá a uma prestação de serviços real (serviu apenas, na ótica do MP, para José Sócrates pagar a Farinho o seu trabalho na alegada elaboração dos manuscritos dos seus dois livros), a equipa liderada por Rosário Teixeira suspeita da prática de um crime de de falsificação de documento. Já o alegado crime de peculato está ligado a uma eventual apropriação de dinheiros públicos por parte de Farinho, “caso se apure que Domingos Farinho recebeu, indevidamente, parcela de remuneração da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa”, lê-se no despacho de extração de certidão.

Domingos Farinho e Jane Kirby, advogada de um escritório conhecido pelas suas ligações ao PS (o BAS, onde também trabalha Diogo Lacerda Machado, o famoso melhor amigo de António Costa) são suspeitos de atuarem “com a intenção de que a Universidade de Lisboa, na qualidade de entidade empregadora” do ex-assessor de Sócrates “não tomasse conhecimento da existência desse contrato” e de forma a que o casal Farinho/Kirby “pudesse vir a beneficiar” do suplemento devido por “funções em regime de exclusividade” a “que não tinham direito”, enfatiza o MP.

Recorde-se que Domingos Farinho e Jane Kirby foram ouvidos como testemunhas nos autos da Operação Marquês, não tendo sido acusados no processo principal por não ter ficado provado que o casal de juristas “tivesse atuado com conhecimento da origem ilícita dos fundos [da dupla Carlos Santos Silva/José Sócrates] e com intenção de que José Sócrates camuflasse tal facto e lograsse a reintrodução desses fundos na economia legítima”.

Corrigido artigo às 15h06m do dia 11 de novembro. O comunicado citado na notícia foi distribuído internamente por docentes, funcionários e alunos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa — e não pelas redações.